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domingo, 24 de junho de 2012

SALVE JORGE!





O bafo de Deus cavalga sobre os capins, faz rima de assobio sobre as campinas, flutua sobre a lagoa, cintila na água boa que faz brotar os alecrins.

Os sapos cantam o "Salve, uai! Vai, não vai!?" e o "Foi, não foi, oi, oi?!" Coaxam no limo o sapo barrigudo e o sapo-boi... Vento alazão. Galopa veloz sobre a terra seca e sobre os riachos. A crina vermelha lambendo o horizonte. Puseram fogo na mata, ou é o sol que correu pra se esconder trá-os-montes? 

Os olhos em brasa assustando as crianças. Mãe-preta sabe quem está por chegar. Os bicos dos peitos da negrinha estão duros. Vontade de ver o patrão, fazê-lo gemer. Fazê-lo ladrar! Machucar a cara do algoz, estapeá-lo. Dar com amor o que receberam todos com dor. Sorriso branco, pele preta. No escuro todo mundo é poeta!

Capitão do mato solta o chicote, baixa a cabeça. Peça castigo, peça! Os pretos mais velhos colocaram o capim cheiroso na palha do pito. Sálvia, salsa, madrágora, heléboro negro, urtiga... E a cantiga dos cigarros ganha o mundo. 

O incenso improvisado vai benzer a Casa-Grande. As matronas enlouquecidas rezam o terço. Os tambores, mais tarde, vão ecoar na sua cabeça. Até o padre na capela sabe que é santo aquele rito. Tudo convida, mas poucos hão de se chegar. Hoje é dia de fogueirão! Capoeira, pés voando na escuridão! O Maculelê rasga o ar. Palmas ecoam de Aruanda. Preta bonita lavou vestido com água de lavanda. Bate palma menino! Hoje o tempo é senhor! 

Lá vem facão, mas não quer matar. Jogo de homens pra esquecer a dor. (Olha o dragão, olha o dragão passando rente!) Mas ninguém foge do dragão que mora dentro da gente! Jorge, guerreiro, é o chefe da brincadeira. Homem feito, homem forte, também quer brincar. Cavaleiro de lança forte, vem dançar sem medo da morte. 

Vida boa, meu amigo! Os moleques vestem camisa, procuram abrigo. As jaboticabeiras ficam vazias, nem se mexem. Remoinho. Rodamoinho. Roda a saia, pretinha. Ciranda! É fim de tarde, e o vento da monção anuncia: Venham meus pretos! Hoje é dia! O chicote não canta, e nossa gente faz cantoria! Hoje, no barracão, vai ter poesia!

sábado, 2 de junho de 2012

L'ABÎME


Volonté d'arriver au côté de tout abîme et dire à l'infini: 
- Bientôt, je suis ici ! Ce que tu me dit? 

O NOME DA ROSA


As coisas tem um nome,
e em cada nome reside um mistério.
Cada letra é uma pétala de flor
e toda palavra traz em si o seu perfume.
Um lume de questionamento, um porquê
com gosto de pergunta já respondida.

A palavra maçã tem cheiro, e tem culpa,
porque traz a lembrança lendária,
no subconsciente o castigo mais gostoso
de Eva, que ofereu a Adão seu engodo:
a primeira mulher, primeira mãe, primeira puta
que jogou o homem para fora do paraíso,
depedendo apenas da sua força, do seu juízo,
para o sofrimento e a labuta.

O nome da rosa já denuncia a carga
de sentimentos que a palavra traz á tona
renovando-lhe a vida.
Respeite o nome da palavra,
saiba manuseá-la, prová-la,
sentir sua doçura e seu azedume.

De tudo podemos perder,
a vida, os deuses, a filosofia, a poesia,
são subterfúgios, pequenas mentiras,
mas o nome das coisas ninguém os tira!



Marcelo Sousa, in "Sortilégios", 2012.


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"Stat rosa pristina nomine,
nomina nuda tenemus."

Bernardo Morliacense, in "De Contemptu Mundi" no século XII. Livro 1, Verso 952.