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domingo, 18 de novembro de 2012

A TEMPESTADE






Cortando a barra, singrando o horizonte
Vão as táboas de madeira e piche
Que dão formato à trôpega nau.
Tudo no mesmo marasmo de sempre. 
Não há ventos soprando as velas.
A noite demora a passar, estranho azeviche,
Que nubla a orientação pela magia das estrelas.
Pouco se vê além do próprio nariz.
Uns pensam que é o céu, outros, o inferno.
Mas sonhos são fumaça de cachimbo,
Que por um abano podem ser desfeitos.
Aqui é o oceano, não há como criar raiz.
As pernas bambas sofrem a falta da terra firme,
E entre esquerda e direita ninguém vence o pleito.
O mar é um deserto de densas neblinas.
O leviatã, a baleia branca, não quer brincar.
As ondas passam em seu galope eterno
Como cavalos de espumosas crinas.
Arpões inúteis enferrujam em meu peito.
O barco pende de um lado ao outro sem avançar.
Não vemos o timoneiro. 
Marinheiros abandonaram o navio.
As últimas notas no diário de bordo
Mostram as mais estranhas rimas.
A lua é um olho solitário
Que acompanha, mas pouco ilumina.
Temos ferro nas veias.
Há chumbo e mágoa pra se respirar.
Tudo é expectativa de tempestade. 
Tudo resume-se a esperar.
Corpo é escassez. 
Alma, improbabilidade. 
O destino é uma sereia a cantar.
Na vida somos todos lobos do mar.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

QUIXOTE / PIXOTE







Não fui o inventor do sussurro,
Nem deixei o verso interminado na boca pênsil.
Tampouco o primeiro a quebrar o silêncio
Com um murro.

Não rasguei-me a carne à unha
Numa linha reta da virilha ao pomo.
Covarde: esta alcunha
Jamais tirou-me o sono.

Meu verso intragável
Só encontra ritmo na dissonância.
Imito o Quixote com seus gigantes imaginados,
E nem sempre tenho a Razão a atuar 
Como um Sancho Pança.

Desci aos infernos, às fossas abissais,
Para encontrar minha alma amiga.
Desci com pressa, nas mãos nada mais
Que as palmas abertas, abraço desenhado, 
Improvável resgate da vida.

Porém na escuridão nada encontrei
E tive os olhos nublados,
E cada passo era um tropeço.
Cansado, não quis mais procurar. 
Nas profundezas me deitei,
Homem feito, fiz-me criança, 
E no esquecimento fiz meu berço.

domingo, 11 de novembro de 2012

MISTÉRIOS




Há uma doçura estranha em não amar, digo, suspeitar que se ama sem saber sob que prisma. Entender o sentimento como uma cisma. Crendice. Achar novas graças na mesmice. Amar sem querer, por acidente astral, conjunção cósmica superior aos simples desígnios do ser humano. O idiota útil, acima do Bem e do Mal. O mar, o amar, o oceano, o mundo, o caminhar no lado escuro da lua, o mergulhar nas fossas abissais, onde tudo o que é supérfluo e cotidiano se torna grave e profundo. O teatro sendo engendrado nos bastidores, na coxia, a poesia acontecendo antes do levantar dos panos. Humano, demasiadamente humano. Palhaço de cenho franzido, punho cerrado, malvado e sério. Amor, mistério. Como a cortina que separa vida e morte. Nunca se sabe onde está ela: somos cegos olhando a paisagem do paraíso pela janela. Achar beleza na crueza do rosto da Medusa, ou ternura nos modos do Minotauro. Com carinho pentear com os dedos os seus cabelos feitos de serpentes, entrar em batalhas jà perdidas gritando aleluias com uma faca entre os dentes. Como nas conversas daquele que dorme e sonha com aquela que nem existe, princesa encantada, triste, enclusurada na mais longínqua montanha. Ser dos desastres do destino o fiel consorte. Não amar, ou ainda não sabê-lo. Eis o mais perfeito selo da sorte!

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A FLOR DE VIDRO





Nas manhãs em que desabrochas assustada,

e descuidada te banhas na carinhosa luz matutina,
linda flor de vidro, erva perfumosa pelo sol despertada,
no meio dos vales és monumento, tótem, e sobretudo menina,
ingênua em teu solipso berço. Ao encontrar-te assim desamparada
ajoelho-me, peço ajuda e clemência em teu nome ás forças divinas,
para que nessas campinas não sejas por pés de lobos e ovelhas 
despedaçada.

Nas manhãs em que desabrochas reluzente,
oh linda rosa, vítrea estátua que fulgura em mil cores,
vejo-te sofrer calada o teu destino, e timidamente
deixo uma lágrima banhar-te as pétalas, e se fores
a princesa prometida, enclausurada num corpo transparente,
pisada por bestas e feras, as mesmas que te devem mil favores,
morra então, liberta tua alma, flor-princesa, e sonharei com teu perfume
eternamente.