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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

COMO PODE O PEIXE VIVO...





As nuvens passam e bocejam.
Águas claras, excepcionalmente claras
deixam transparecer o peixe grande na lagoa
e sua boa aparição nadante, divagante e rara
reflete na prata polida de suas escamas a luz do sol
que poreja estrelas de céu e mar, e se rí, 
e nada para longe.

Nada, nada, para longe, longe. 
O nada no meio da tarde é tudo o que tenho, 
isso que me abarca num barquinho que me leva 
ao outro lado, aquele bocado de terra e guerra
onde serei homem sério, ainda que menino perante 
os perenes mistérios de ser homem-menino-poeta, 
e ter que esconder este meu ser completo.

Porque lá, do outro lado, eu sou outro, 
eu sou pouco, eu sou apenas metade deste 
que sem vaidade se mostra aqui imenso e pequenino, 
este homem que se sabendo menino contempla o céu, a lagoa, 
os peixinhos, os barquinhos, e sente que sua alma, 
ainda que muito remendada, é uma obra completa: 
a alma toda furadinha pelas traças 
dos desejos e dos sonhos, 
esta minha alminha vã 
de poeta.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

QUANTUM






Por um buraco de minhoca
a boca deste que morre 
suga o ar do outro lado
onde o finado está-estava-estará 
vivo. 

No oco de um tempo-espaço 
que se dobra sobre si
e forma a mais perfeita 
e perplexa equação:
o homem é o seu contexto 
e a sua vontade, sua salvação.

O homem
que nasce-cresce-reproduz-e-morre
já não precisa existir para saber 
que viveu, amou, lutou, sorriu, chorou, 
ganhou e perdeu.

O homem que não existe
está ali, descrito, escrito,
conscrito, inscrito, infinito
no poema que ele mesmo
(não) escreveu.

domingo, 14 de dezembro de 2014

NENÚFAR II






1.

Faço mira. 
O arco, por demais retesado, 
arrebentará sem alarde, 
em tempo breve.  

Flecha de imburana, 
a seta de pedra-de-fogo,  
a mão soberana, erradia, 
desafiando a paz dos lobos.

Vontade é manobra difícil, 
exigência sempre inoportuna:  
vontade de seguir, prosseguir, 
porque todo vento é contra,  
ainda que empurre para a frente.  

Tudo é tensão. 
Não faz sentido fazer poema.  
Não faz sentido fazer amor. 

Sob a pele jaz a espuma do ser. 
Entre os pelos, as ramas do querer. 

Debuto desesperanças festivas. 
Abismos me atraem. 

Procuro sempre uma pulga 
atrás da orelha de louça de um santo qualquer, 
talvez um pequeno deus com olhinhos de serpente 
e corpo de mulher. 

Oremos. 
Tenhamos força e fé
e em qualquer desespero
aguardaremos.


2.

Aprendi palavras novas. 
Não as usarei jamais. 

Trago nas mãos esses versos soltos,  
versos ruins, porque o bom verbo 
quero-o bem guardado, bem longe 
de holofotes, distante das ribaltas. 

Falta pão,  
tomemos champagne. 

Esquivo-me das boas causas. 
Desvio o olhar dos favores mais doces. 
Estou envergonhado demais para acreditar 
no mel venenoso de cada manhã. 

Calo. 
Resvalo em ninharias. 

Problema, teorema, teoria, tudo é esperança. 
Todo problema tem cálculo, exercício,  
trabalho e resposta. 

O que não é problema  
não tem solução. 

Do lodo brotará a flor de lótus. 
Nascerá branquíssimo o lírio d'água 
na foz das mágoas rasas desta vida. 

Aqui, no pântano  
há pouca esperança.  
Mas, cedo ou tarde,  
haverá redenção.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

ECO





Olhei fixamente 
dentro do vidro negro dos teus olhos, meu senhor, 
e fiz a última pergunta que ainda restava. 

O teu silêncio de rocha e cristal
partiu-se na miríade de poemas 
que jamais irei escrever.

Toda música se perdeu no vácuo, 
mas guardo na concha dos meus ouvidos cansados
algum resto de palavra, um trinado, um eco, um segredo, 
um medo que conforta, uma paz que entorta a espinha,
uma força que verga as vontades.

Trago essa verdade
como quem leva consigo uma antiga melodia, 
talvez um canto de ninar, talvez o som de um pássaro 
que nunca mais passou, talvez o rolar do primeiro trovão 
trazendo susto e magia. 

Não sei, 
mas entendo.
Pertenço a tudo 
o que me foge. 

Olhei fixamente 
para os lagos congelados dos teus olhos
e de dentro da escuridão 
uma luz gritou por socorro. 

Tardei em reconhecer o reflexo das minhas pupilas, 
a luz ambarina, pesada, deitada sobre o vidro negro
que é o teu olhar, este fosso de alegria e dor,
meu bom algoz, meu senhor.

Tremi ao reconhecer a chama
que no leito de veludo negro resiste sem ênfase
temendo (mas insistindo) em brilhar em vão. 

Diante deste espelho, 
fiz a ti a última pergunta que me cabia, 
e antes que pudesses me enganar com tua poesia, 
eu mesmo respondi a nós dois: não!

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

OS IPÊS AMARELOS






Joaquim, meu filho, 
os ipês estão floridos
nas montanhas em nossa volta.

Mas tu não vês, 
não sabes como são lindos
os nossos ipês.

Joaquim, meu filho,
demorastes a nascer, meu querido,
e por isso não podes ver o espetáculo desse dia.

Todos os ipês amarelos floresceram
pintando de dourado as montanhas que dormem
embaladas por este mar imenso.

O mundo é um lugar terrível
mas, vez em quando a gente olha para o alto
e os ipês de dezembro trazem alguma esperança.

Joaquim, tu olharias maravilhado 
a silenciosa explosão amarela
e dirias que Deus existe, senhor 
de todas as aquarelas.

Mas, filho, tu que não nascestes,
nada sabes, não miras, não olhas, 
não brincas, não choras, não vês
como são lindos os nossos ipês.

Nem eles te olham de volta,
não sabem da cor dos teus olhinhos
nem ouvem a tua voz, nem reconhecem
a tua gargalhada gostosa.

Joaquim, meu filho, o mundo é terrível
mas nele há dezembros que começam assim
com ipês amarelos brotando no seio da rocha
desafiando as escarpas montanhosas.

Mas tu deles não sabes, nem eles sabem de ti.
Tu, que no vácuo habitas, nada ouves, nada vês,
e por isso, diante desta montanha florida, penso
em como são lindos, mas como são tristes
esses nossos ipês.

domingo, 7 de dezembro de 2014

CAMADAS



Um poema é só um poema.
Mas não apenas.

PAISAGEM






Tic tac tic tac tic tac, posso ouvir
as horas que pingam gotas de sol 
molhando a paisagem com este fluido
que as pessoas deram o nome de domingo
e eu aqui dentro, seguro, de galochas
e guarda-chuvas, fazendo versos
esperando a tempestade
e a banda passar.

CABRESTO




O cabresto das conversas miúdas
na voz doce de quem ama com o coração de pedra polida
e descansa com um olho aberto e outro muito bem fechado,
este aliás, enxergando dentro, sondando interiores, entranhas,
como a nave que mergulha silente nos nossos sonhos
e de lá rouba pérolas que estavam guardadas
para dias melhores, amores melhores,
que são melhores justamente
porque jamais existirão.


O cabresto curto, fio de ouro que se estica e se contrai
num movimento que imita inspirar e expirar, esperto
e sinuoso como a serpente que sorri ao dar o bote
e depois beija, sôfrega, derramando a bile que
não mata de imediato: é fato que ninguém morre
de amor, assim rápido, no ato, como os romances
insistem em ensinar, ledo engano, no retrato,
veja só como ele sorri, o amante, (que cara boa)
mas de perto se notam as manchas, as marcas,
percebe-se que quem está sorrindo,
é o papel apenas, não a pessoa.

O cabresto das conversas miúdas
na voz doce de quem persegue, perscruta, percebe
que atenção é vigiar sem estar alerta, como quem dorme
sabendo que na terra dos sonhos, naquela terra dos desejos,
no mundo de faz-de-conta onde jaz todo spleen dos poetas,
nessa terra onde moram as coisas que ainda não fizemos
é onde se deve fustigar toda raiz de qualquer vontade
que não seja a de amar e marchar, marchar e amar,
sempre em frente, fiel e forte, jogando dados
viciados a mesma sorte.