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sábado, 31 de dezembro de 2011

FELIZ MINUTO NOVO





FELIZ MINUTO NOVO!


Escrevo a vocês às 17:00hs no Rio de Janeiro, Brasil. Em metade do mundo o ano de 2011 já é finado, e 2012 foi e está sendo comemorado efusivamente. 

Na Austrália, Nova Zelândia, Hong Kong, Japão, Indonésia... já é Ano Novo! Enquanto nós, aqui do outro lado do mundo, ainda estamos pensando no que fazer, nos planos para o próximo ano, no que vestir, em que festa comparecer, se vamos beber muito ou pouco, se vamos beijar aquela pessoa, se vamos ligar para aquela outra, se vamos ter coragem de contar aos nossos pais aquele segredo que todo mundo já sabe, menos você!

As pessoas fazem planos, decidem que vão mudar, fazem promessas aos deuses, compram roupas brancas, esperam ansiosamente o momento em que o relógio, essa coisinha ínfima que você carrega no pulso, marcará o começo da sua nova vida!

Isso já aconteceu hoje para milhões de pessoas e nada mudou. A crise financeira, as guerras, a política internacional, tua conta bancária, o teu DNA, o teu endereço, o preço do arroz e do feijão, o preço do pão continua o mesmo.

Nada mais idiota que deixar que os ponteiros do relógio decidam a sua vida!

Em metade do mundo o novo ano já começou, e você ainda está aí fazendo promessas e esperando o milagre acontecer! Mas o milagre é você! O tempo não tem nada a ver com a tua existência. Ele passa, você passa, cada um no seu passo. 

Eu gostaria de propor a você que comemore cada segundo, cada minuto. Que cada respiração sua seja um sussurro dizendo "Muito obrigado! Eu venci!". Por que é exatamente isso que acontece, você vence a cada segundo da sua vida! Se ainda respiras, agradeça! Não espere que a mudança do ano te traga luz. Brilhe você! Seja você o modelo de tudo aquilo que tu desejas. Seja você o espelho de tudo o que te seduz.

Seja honesto, paciente, coerente, forte quando for preciso ter força, tenro quando for preciso ternura e carinho. Saiba aproveitar a vida quando tiveres companhia ou quando estiveres sozinho. Ouça os mais velhos, mas com ressalvas, porque idade pode ser sinal de experiência, mas não de sabedoria. Não tenha medo de pedir desculpas, de pedir perdão. E não tema ser duro quando necessário. Teu caráter é teu escudo. Se te livrares dele, o mundo te atacará sem piedade, sabendo que estás descuidado.

Mude de idéia quantas vezes for necessário, pois somente os tolos são arrogantes o suficiente para não mudar de idéia, mesmo sabendo que erraram. E trabalhe, trabalhe muito. Viver não é fácil. Nunca vai ser. Dependerá de você decidir como vai enfrentar e desfrutar o dom da vida.

Existem tantos deuses e tantas religiões, que seria imensamente inconseqüente ser um fundamentalista, tomar partido, brigar por causa das crenças dos outros. Os deuses que se virem, eles que se definam, eles que decidam quem existe e quem não existe, quem é e quem não é. A você, cabe apenas a fé! 

Os deuses são tantos, que fica difícil escolher. Todas as religiões tem seus dogmas, suas regras, suas restrições, suas bênçãos e suas maldições. Mas no fim das contas todas são unânimes em dizer: quem decide sua vida é você!

Não culpe os astros pelo teu fracasso ou tua vitória. Só você tem mãos, vontade, determinação e capacidade para viver cada minuto que lhe foi dado. As estrelas, que nós vemos brilhar no céu toda noite... muitas delas já morreram, deixando uma luz que nos chega já muito atrasada, e não nos serve para nada, nada além da contemplação romântica, para a inspiração filosófica, e nada mais.

O universo segue seu rumo independente da tua vontade. Teu lugar é aquele que você escolher. Teu futuro depende do teu esforço, e não da conjunção de signos, símbolos, nada disso!

Tua existência é tão importante quanto a de uma estrela ou a de uma formiga. Viva com fé em você, principalmente. Aceite a vida, aceite a briga!

Você pode esperar a meia-noite na tua cidade (Acho que no Brasil temos 3 fusos, lembra?) para decidir parar de fumar, de beber, ser vegetariano, assumir sua sexualidade, pedir demissão do emprego, fugir de casa, gritar por liberdade... não interessa. O tempo continua seguindo independente da tua preguiça ou da tua pressa!

Sê modesto, mas não servil. Saiba colocar o preço certo no suor do teu rosto ou na maestria do teu intelecto. Saiba repreender o mal, e também ouvir quando apontarem teus erros. E sobretudo entenda que em qualquer situação, seja de alegria ou de tristeza, nunca é conveniente derramar gritos e berros.

Seja mestre do teu destino! O teu relógio não é teu dono! A cada minuto da tua vida você pode comemorar, abraçar quem estiver por perto e desejar "Feliz Minuto Novo!", ou mesmo que estejas sozinho, comemore a tua vida, os teus mandamentos, as tuas verdades. 

Tens a liberdade de comemorar agora ou mais tarde! O tempo urge, mas não faz alarde!

A tua conta bancária segue intacta, seja no azul ou no vermelho. O teu corpo continua igual, gordo ou magro, novo ou velho. As pendências do trabalho te esperam na segunda-feira. E se estiveres desempregado, continuarás sem eira nem beira. O teu trabalho, a tua vontade, a tua liberdade é que definirá o teu futuro. Mudar de ano não é como saltar um muro! A planície é ampla, ainda há muitas léguas a correr!

Quando teu relógio mudar deste ano para o outro, quando ele trocar de hoje para o outro dia, espero que tu estejas entre os seus pares, espero que comemores com alegria. Mas mesmo que estejas, como eu, sozinho, lembra que é você quem define e quem traça as curvas e as retas do teu caminho.

Comemore agora, ou espere a meia noite virar. Seja educado, adote o costume dos demais, sem ser rude, sem ser bruto. Mas no próximo ano, lembre-se de comemorar igualmente a tua vida a cada minuto!

Pax hoc domui.


- Marcelo Sousa, 2011/2012.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

CUMPLICIDADE





Cúmplices
como o sol e a lua que não se tocam
mas um ao outro no momento propício se evocam
somos os que se amam com delicada sabedoria, sem pressa, sem rompantes:
como o sol e a lua que fazem amor à distância, um de cada lado do horizonte.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O TRIVIAL



Não venha me contar de heroísmos, de grandes feitos,
de porres homéricos, de amores feéricos, de viagens á America.
Não cantes teus poemas da alcova, versos de malandro ou marginal.
O que me interessa é aquela paz da rotina, a rima cotidiana,
a pitadinha de sal que nos faz mais gostosos, posto que mais humanos.
Quando me pega pelas ancas, lavando louça molhando o seio 
que se entumesce com a água fria e seu toque,
ajoelhando-me pra recolher do chão, tudo que derrubamos na ânsia, 
não resisto à ocasião...o teu roçar quase imperceptível
derrama um calor incrível, enquanto mexo meu caldeirão,
essas coisinhas de cama, banho, cozinha, essa vidinha gostosa 
de cabelos desgrenhados e calça de moletom. Você sem vergonha, eu sem batom
no meio da tarde, trocando carícias, cantando qualquer música brega e fora do tom.
Conta-me a tua vida banal, porque é assim que te quero.
Muito esmero, muito cuidado, muito cálculo... tudo muito artificial.
Viva a banalidade, porque é no trivial que a gente descobre quem é genial!

Marcelo Sousa e Marfiza de França , Cadernos Particulares.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

AS COISAS RASAS







A sua medida
é a medida das coisas rasas
das coisas que cabem apenas nas casas dos teus botões
das coisas que podem ser descritas por tuas retinas
das coisas que só podem caber nas mais fáceis rimas
porque a sua pobre medida vigente
é a medida usada por toda gente
medida viciada, traçada de joelhos
medida que não sabe nada da imaginação dos poetas
que não cabe na avaliação científico-imaginária-aleatória
que faz possível medir o tamanho dos gametas e dos planetas
e a velocidade estimada da luz e a data de nascimento do homem
que sem tempo para arrependimento teve que morrer na cruz
("Eli, Eli! Lamná sabactani?") E não houve resposta alguma dos céus
que tinha mais o que fazer: o tempo observa impassível, ao léu,
enquanto a tua triste e corrompida medida
não corresponde à metade de um segundo da minha vida
mas ainda assim deixo-me à mercê da tua régua
e meu corpo diminui-se sem dó, sem trégua
a sua medida da minha e da tua vida
cabe apenas dentro daquilo que tu vês no espelho
e é somente por isso, por causa dessa tua medida
é que estamos parados, boquiabertos,
ficando velhos.





Marcelo Sousa, em "O Semeador de Abismos", 2011.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A DAMA SILENCIOSA



Dama da noite, cujo cheiro causa náusea e pavor,
Não venha silenciosa roubar-me o calor.
Se tiveres que vir, que venha rude e furiosa,
Não minta, sendo pérfida e silenciosa.
Não tenho me cuidado direito, 
Mas a todos digo que sim,
Pois o desfecho perfeito deste poema 
Seria com o lírio branco e a fita negra de cetim.

Dama da noite, cujo perfume todos evitam,
Deixa-me queimar esses versos, 
Vê como são lindas as chamas que crepitam.
Não venha pelas sombras como uma ladra
Pois te espero sem escudo nem espada.
Não tenho me cuidado direito, 
Mas a todos digo que sim,
Porque meu peito quer parar de doer, 
E meus versos precisam de um fim.

domingo, 27 de novembro de 2011

A OSTRA E O VENTO






Preenche-me com teu sorriso, 
teu corpo, tuas vontades, 
tua força e tua fragilidade. 
O teu perfume e os contornos da tua boca 
e a forma com que você tira os cabelos da frente do rosto... 
Ah, que delícia! Que delícia!
Eu observo, de longe, 
como um monge
contempla a lua
mas queria observar-te de perto:
poeta, esperto, queria observar-te toda nua
mas tua concha de madrepérola flutua
no mar dançando ao sabor do vento
ao sabor das marés, eu catando conchas
ajoelhado aos teus pés, perverso
querendo abrir-te não com faca
mas com a aguda ponta dos meus versos
mas tu resistes, não te abrirás facilmente
àquele que simplesmente chegar sem saber a senha
a palavra mágica que a brisa sussurra 
por baixo da saia do tempo
eu, poeta, esperto, passo as noites atento 
porém fraco, confesso, estou faminto
para saber o que esta concha guarda por dentro!






- Marcelo Sousa, Cadernos Particulares.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

AS NOSSAS AUSÊNCIAS



Certa manhã, ao acordarmos juntos e já atrasados
cada um correndo para um lado procurando roupas e tempo,
ela parou, deixou o vento alisar seus cabelos
e o sol dar-lhe no rosto o beijo 
que me faltou naquela hora.
O maquinário do viver vai gastando certas peças
que a gente não percebe que eram detalhes
que faziam toda a diferença, mas que de repente
simplesmente vão embora.

Fitou-me sem alento, e sentada na cama
frente à janela que convidava a aventuras titânicas
acho que desejou sair voando, planando
como fazem sem pudor as aves oceânicas
a garça branca, o martim pescador, a gaivota
esses bichos poetas que rabiscam no céus
as suas efêmeras notas.

E sem saber se poderia escolher entre ir ou ficar
ou se haveria tempo pra amar ou só olhar o mar
ou se tinha em si o tanto de loucura para saltar
apenas disse com a sabedoria simples dos amantes:

"Ás vezes eu me pergunto se tudo o que a gente tem de verdade 
são as nossas ausências..."

E eu, ausente de mim mesmo, 
sem saber se ali ainda estava o homem
ou já a engrenagem imunda que move a máquina do mundo
só pude preenchê-la com a delicadeza destemperada do meu choro 
e com os carinhos brutos da minha carne ereta de poeta
naquele único momento que de fato era nosso. 

E, sem mais filosofia
nos despedimos com um beijo de bom dia!

domingo, 20 de novembro de 2011

DENTE DE SABRE





Quem sabe não fala, quem fala não sabe.
A sabedoria é uma espada afiada, guardada e quieta
igual um tigre na relva, descansando seus dentes de sabre!

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O TOCADOR DE TUBA





Repito-me, chato como quem ensaia numa tarde de domingo um solo de tuba:
Tem certos dias em que tudo o que se pode fazer é ler Nietzsche e comer jujubas.

O SENHOR DO BONFIM




Pele negra. Pele branca. 
E mãos cegas na noite franca.
Tudo é cinza quando as luzes estão apagadas.
Pêlo e pelúcia tecem a colcha dos tempos.
A pele lambe a cor das almas. 
Exus e Budas batem palmas!
O atabaque excita o peito,
Lateja nos penduricalhos da virilha.
Os terreiros, as igrejas, os templos,
São apenas ilhas.

A cidade é cruel: 
Dá-te um 'bom dia' negando seu perdão
Mas sabemos que o dia bom será mesmo o do patrão!
O sol de cada um é diferente, e mente quem diz o contrário.
O sol que doura a pele do surfista
É o mesmo que machuca o operário?
A cidade te olha, mas ninguém nos vê. 
Deus tudo sabe, mas em nada crê.

O dia se contorce
Entre os dedos de um tempo mesquinho.
Acordamos já enlatados nos trens que vão e vem.
Acordamos já preparados pra viver pouco
E dizer amém.

Mendigo, sobrevivo catando nas ruas
O que a cloaca dos corações humanos despeja.
O vento beija com beiço duro e quente,
Amante feio e sem prática.
As moedas não pagam pão e sexo.
Meu bolso é inimigo de qualquer matemática.
Fome, homem, fome, homem, e sempre mais fome.
Você pensa que é malandro, mas nem sabe quem te come.

Pago-me com o que posso, 
Certas coceiras dão na pele, outras nos ossos.
Ando, sigo, persigo. Insisto nas ladeiras. 
Persisto em cavar nas lixeiras
Algum resto de lembrança que me vista, 
Chinelo velho, camisa rasgada, um livro,
Uma batalha, um perigo qualquer
Que me sirva de trincheira.

Sobram horizontes sem esperança, 
O tempo árido dos que esperam sem saber o quê.
As árvores observam, as estátuas gritam sem voz,
Na foz do dia os pobres se equilibram num ritmado balanço.
Quem será este que divide comigo a praça,
Este altivo e miserável herói
a quem o tempo e a ignorância corroem?

Todo deserto
Tem multidões que o habitam. 
A razão às vezes faz greve,
Mas nunca sabe o que reivindica.
O passo claudica, dança de solitários
Procurando um corpo para esbarrar.
Ando sozinho, olhando as moças,
Pisando poças, mirando o mar.

O azul muda de aspecto,
Muda de figura, muda de humor.
O oceano pode caber num copo d'água,
Tudo depende do sonhador.
Deram-me fitinhas coloridas
Para amarrar no tornozelo.
Disseram-me que ganharia fácil
O zelo do nosso Senhor.
Mas recusei laços, pedi cachaça, 
Fiz pirraça, cheirei vapor.

Evito olhar minhas mãos vazias,
Cheias de vontades desconstruídas.
Evito fazer de tudo pretexto para poesia. 
A palavra fácil só me traz rimas doloridas.
Tem dias em que tudo o que a gente quer
é ter mulher para amar, e ter o pão para comer.
Ou vice-versa. Tudo depende da hora
Em que a carne implora o verso.

Paciência!
As engrenagens precisam se mover, mas não para sempre.
Olha o mar como balança ritmado, mesmo magoado 
batendo-se contra as paredes do rochedo. 
Olha como os galeões se esfacelam na tempestade 
como barquinhos de brinquedo.

Talvez brancos, pretos, amarelos, vermelhos
façam suas preces com pressa, pra não machucar os joelhos
mas os deuses acharão tua reza sem sal, sem sabor, sem valor
porque no fim das contas quem paga a tua existência
é um outro Senhor.

Paciência!
Eis o feitiço
Dos que não tem outra ciência.
Mesmo nos dias de estranha paz,
Traga sempre o escudo, o macete,
E a adaga com cabo de marfim.
Ainda que a luta seja desigual
Não fará mal desejar a todos
Um bom fim.

Há os dias de luta
E os dias de beijo.
Há o ensejo de ir à igreja,
Há o tempo de visitar as putas.
Haverá sempre a Poesia,
Sobretudo a Poesia
E isso ninguém refuta.

Os navios negreiros
Ainda trazem às nossas praias
Os novos brasileiros, filhos da dor 
(Todo tipo de herói furta-cor)
Que convertidos à força,
Pedem apenas uma boa morte
Em versos que não seriam de outra sorte
Pois cabe a nós lutar o bom combate
Esperando sempre um bom fim
Nos braços do nosso Senhor.



MÁSCARAS







Esse personagem já muito conhecido, muito gasto e já sem graça, quem é ele?
Tentei tirar sua máscara, mas descobri que ela estava vestida por baixo da pele!

ANOITEÇO





Whisky e chocolates. 
Acato o açoite do vento.
O coração aceita o bom combate.
Estreito a distância com o copo.
Nele cabe apenas um gole de tempo.
A mente quer brincar: eu topo!
Talvez um dia eterno brilhe mundo afora.
Mas eu já me anoiteço. Logo fecharei os olhos
e flutuando no éter terei ido embora...

PRIMAVERAS PARTICULARES







Teus olhinhos de menina
confundem o que é carne
e o que é rima.

Teu perfume, teus bálsamos secretos
podem ser a cura para os sensatos
ou a perdição para os poetas.

Toca em mim, deixa eu te tocar
e por um instante que não tem fim
o tempo e o espaço ficam fora do lugar.

Toca em mim, mas tocar-te não posso:
és ainda muito menina para saber de tudo
mas teus gestos mudos sabem dominar a alma, a carne e os ossos.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

CALA-TE E OUÇA




A sua colcha de hábitos.
A sua pele de hábitos.
Este seu cobertor de cicatrizes.
Este seu jeito de aceitar somente as coisas possíveis.
De onde vem esta vontade de não-ser?
De onde vem esta sentença de não-viver?
Você resiste, você insiste, você existe... pra quê?
Teu peito guarda uma máquina burocrática, que trabalha em vão.
Você já não sabe desenhar flechas e asinhas no seu coração.
Você olha o horizonte e segue em frente pisando flores.
Não vê mais os pardais, os caracóis, as joaninhas, as mariposas.
Não sabe mais o que é a surpresa de ganhar uma rosa.
Mas ainda há tempo. O vento sopra uma doce cantiga.
Cala-te e ouça! Bem baixinho falará contigo a verdadeira vida!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

DEIXAI CRESCER AS ROSAS



Homens circunspectos.
Homens de negócios.
Homens importantes.
Longe de mim!
Deixem-me quieto!
Protegei meu ócio!

Não quero ser amigo ou amante.
Não quero tirar a sorte grande.
Quero apenas ser poeta
E viver num eterno rompante.
Quero não ter que ser mais nada
Além de uma criatura calada, 
Uma caricatura do seu deus alado
Ou simplesmente um bobo sentado
perdendo tempo e ganhando a vida!

Estou incompleto, silente.
Os que se julgam grandes, perfeitos,
Esse já estão prontos para morrer.
Eu sou grão, e tenho muito o que crescer!
No seio da terra sou semente.
Deixai-me brotar devagar.
Deixai-me ser apenas um feto.
Deixai-me ser poeta!

Essas horinhas da manhã precisam ser protegidas.
Essas horinhas de masturbação, de oração, de ação e sossego.
Deixai-me sozinho nessas horinhas malditas e milagrosas.
Por que só quando o jardineiro não está olhando
é que crescem as rosas!

domingo, 30 de outubro de 2011

EPOPÉIA



Vem! Desce do teu esconderijo nas alturas
e vem ver como é lindo aquele que não tem face
e procura com mão forte e sem carinho
alguém que lhe faça um ninho, que o abrace.
Vem! Desce do teu esconderijo de nuvens
e vem ver aquele que faz sombra na terra
apagando a chama do sol com seu polegar
e bebe rios inteiros em um gole só
e sopra vulcões fazendo bochecha de fole
apagando-os como quem faz aniversário.
Vem! Desce do teu trono assentado no infinito
e vem ver como é bonito o nosso gigante
que cata estrelas aos punhados e as engole
pensando que são confeitos de açúcar
e pisa a terra deixando pegadas fundas como abismos
e quando dança estremece as montanhas
provocando os mais violentos cataclismos.
Vem! Desce do teu esconderijo nas alturas
e vem ver como é lindo aquele que te procura
querendo saber quem foi que inventou os deuses
e teceu tantas histórias de heróis para enganar as crianças
esquecendo ele mesmo de deixar de ser criança.
Vem, desce logo antes que tu estejas muito velho
para poder reconhecer o nosso gigante desengonçado
que faz bolinhas de barro e joga para o alto criando planetas
e que te espera com calma, para que enfim te olhes nos olhos de espelho
e lembre como é bela e estranha essa criatura que te procura
só para te perguntar, humilde, como é ser poeta!

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

MEU CÁLICE TRANSBORDA



Saudade, fazes-me sentir tão pequeno
que o néctar que gentilmente traz-me para beber
não tenho idéia se é a cura ou é um veneno.


Bebo febril um cálice de agridoces lembranças
e só mesmo um ébrio para ver claramente
que o último a morrer é o amor, não a esperança!

domingo, 23 de outubro de 2011

A FLAUTA DE PAN



Eis que do aço e do concreto
pode brotar uma semente de nuvem, de éter,
que por um milagre oculto, discreto, seja
o nascimento de algo terrível e lindo
que vira carne, e em seu cerne te beija
e te segura pela crina e te cavalga
e te chama pelo teu nome secreto
aquele que só tua alma conhece
aquele que aparece quando você geme
no mais safado prazer ou na mais dolorosa prece
e que funciona como os axiomas
como os ditames da Filosofia
como a flauta de Pan
que com ou sem rima
do fundo do abismo onde habita
chega, te toca, esfrega na tua cara
as mais raras verdades e as mais puras putarias
a música mais esquisita, as mais dissonantes notas
e as mais doces iguarias que a tua língua e teus ouvidos
poderiam ouvir. Pobre e afortunada alma:
um poeta tocou em ti!