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terça-feira, 8 de novembro de 2011

O SENHOR DO BONFIM




Pele negra. Pele branca. 
E mãos cegas na noite franca.
Tudo é cinza quando as luzes estão apagadas.
Pêlo e pelúcia tecem a colcha dos tempos.
A pele lambe a cor das almas. 
Exus e Budas batem palmas!
O atabaque excita o peito,
Lateja nos penduricalhos da virilha.
Os terreiros, as igrejas, os templos,
São apenas ilhas.

A cidade é cruel: 
Dá-te um 'bom dia' negando seu perdão
Mas sabemos que o dia bom será mesmo o do patrão!
O sol de cada um é diferente, e mente quem diz o contrário.
O sol que doura a pele do surfista
É o mesmo que machuca o operário?
A cidade te olha, mas ninguém nos vê. 
Deus tudo sabe, mas em nada crê.

O dia se contorce
Entre os dedos de um tempo mesquinho.
Acordamos já enlatados nos trens que vão e vem.
Acordamos já preparados pra viver pouco
E dizer amém.

Mendigo, sobrevivo catando nas ruas
O que a cloaca dos corações humanos despeja.
O vento beija com beiço duro e quente,
Amante feio e sem prática.
As moedas não pagam pão e sexo.
Meu bolso é inimigo de qualquer matemática.
Fome, homem, fome, homem, e sempre mais fome.
Você pensa que é malandro, mas nem sabe quem te come.

Pago-me com o que posso, 
Certas coceiras dão na pele, outras nos ossos.
Ando, sigo, persigo. Insisto nas ladeiras. 
Persisto em cavar nas lixeiras
Algum resto de lembrança que me vista, 
Chinelo velho, camisa rasgada, um livro,
Uma batalha, um perigo qualquer
Que me sirva de trincheira.

Sobram horizontes sem esperança, 
O tempo árido dos que esperam sem saber o quê.
As árvores observam, as estátuas gritam sem voz,
Na foz do dia os pobres se equilibram num ritmado balanço.
Quem será este que divide comigo a praça,
Este altivo e miserável herói
a quem o tempo e a ignorância corroem?

Todo deserto
Tem multidões que o habitam. 
A razão às vezes faz greve,
Mas nunca sabe o que reivindica.
O passo claudica, dança de solitários
Procurando um corpo para esbarrar.
Ando sozinho, olhando as moças,
Pisando poças, mirando o mar.

O azul muda de aspecto,
Muda de figura, muda de humor.
O oceano pode caber num copo d'água,
Tudo depende do sonhador.
Deram-me fitinhas coloridas
Para amarrar no tornozelo.
Disseram-me que ganharia fácil
O zelo do nosso Senhor.
Mas recusei laços, pedi cachaça, 
Fiz pirraça, cheirei vapor.

Evito olhar minhas mãos vazias,
Cheias de vontades desconstruídas.
Evito fazer de tudo pretexto para poesia. 
A palavra fácil só me traz rimas doloridas.
Tem dias em que tudo o que a gente quer
é ter mulher para amar, e ter o pão para comer.
Ou vice-versa. Tudo depende da hora
Em que a carne implora o verso.

Paciência!
As engrenagens precisam se mover, mas não para sempre.
Olha o mar como balança ritmado, mesmo magoado 
batendo-se contra as paredes do rochedo. 
Olha como os galeões se esfacelam na tempestade 
como barquinhos de brinquedo.

Talvez brancos, pretos, amarelos, vermelhos
façam suas preces com pressa, pra não machucar os joelhos
mas os deuses acharão tua reza sem sal, sem sabor, sem valor
porque no fim das contas quem paga a tua existência
é um outro Senhor.

Paciência!
Eis o feitiço
Dos que não tem outra ciência.
Mesmo nos dias de estranha paz,
Traga sempre o escudo, o macete,
E a adaga com cabo de marfim.
Ainda que a luta seja desigual
Não fará mal desejar a todos
Um bom fim.

Há os dias de luta
E os dias de beijo.
Há o ensejo de ir à igreja,
Há o tempo de visitar as putas.
Haverá sempre a Poesia,
Sobretudo a Poesia
E isso ninguém refuta.

Os navios negreiros
Ainda trazem às nossas praias
Os novos brasileiros, filhos da dor 
(Todo tipo de herói furta-cor)
Que convertidos à força,
Pedem apenas uma boa morte
Em versos que não seriam de outra sorte
Pois cabe a nós lutar o bom combate
Esperando sempre um bom fim
Nos braços do nosso Senhor.



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