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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

EQUAÇÃO






Papai chegou de visita em nossa ilha, como que tem agenda de ir e voltar, mas seus olhos queriam ficar.

Foi recebido no cais por mãos carinhosas, firmes, e vontades despidas de cuidados plásticos: apenas os gestos despretensiosos de quem ama, sem nota promissória, sem cálculo para o futuro ou mesuras para outras histórias.

Viu um lar, marido e mulher, amor e dor. E o gato, na cama.

Percebeu as mazelas, viu as flores, o jardim. Agradou-se ao sentar no lounge aberto para um azul insano. Correu olhos de menino por todos os lados, nossa biblioteca, o computador, o quadrado japonês - no chão, deck de madeira e almofadas - com o tabuleiro de xadrêz, e o piano ao lado.

Paredes brancas. O calor. O azul, o azul, o azul. As araras, o bem-te-vi, o martim-pescador, o tucano, os marimbondos, as borboletas, morcegos e muriçocas. A montanha chamando monções de um verão indulgente. Inteligente. A voz muída das gentes, pescadores que passam. Pra onde? Nem eles sabem.

Papai provou carpaccio conosco, pela primeira vez em sua vida. E provou do nosso vinho, degustou a doçura dos olhos do gatinho que, da cama, cumprimentou a nobreza daquele avô que trazia sobre a carapinha negra a fuligem cinza e branca de tempos imemoriais.

Papai sentou com Thamar naquela tarde iluminada (havia uma chama acolhedora nos olhares) e conversou a prosa miúda dos que vem lá das Gerais, aquele jeito de trazer lonjuras na fala, aquele vagar cavalheiresco que tapa mais do que descobre, enquanto, no andar de baixo, eu cozinhava. E ouvia. Ouvia. E como era bom ouvir.

Papai voltou a ser papai, passou a tarde despindo-se de ser pai, tornando-se só homem: o que é ser mais pai que tudo neste mundo.

Foi o homem que eu precisava, na hora propícia, no tempo certo, quando eu mesmo haveria de ser homem também.

Papai viu que nossas sementes, secas, ainda poderiam brotar.

Não deu conselho, não ensinou, não deixou ordem nem pedido.

Deu-nos a bênção. Despediu-se.

De mãos dadas comigo (um hiato de décadas ditongou naquele momento) foi embora, e naquela hora, o menino era maior que o homem, mas o mito do homem, o pai eterno, esse ficou, fixado, cravado no sílex, no quartzo afiado dessas retinas que ditam este ensaio de poema.

A visita de papai, hoje, solucionou o mais complexo de todos os nossos teoremas.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O QUE EU QUERO







O que eu quero
Não tem tamanho.
Não cabe na mala,
Tampouco no sonho.

O que eu quero
Não se paga com moeda.
Tem a consistência gostosa
Do cetim, palha, pêlo e pedra.

Quero o que é bom 
para o filósofo, para o burocrata, 
para o velho e o rapaz.

Mas se, qualquer dia sesses, 
um gaiato der nome e sobrenome 
a isso que eu quero,

Danou-se:
Morreu, perdeu a graça, 
e já não vou desejá-lo nunca mais.