Ask Google Guru:

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

OTHELO



Sinto-me um novo Othelo
sem nenhuma Desdêmona.
Na verdade, sou um peixe-palhaço
que ainda não encontrou sua anêmona.



CERTIDÃO DE NASCIMENTO






Eu, expatriado e repatriado
sem bandeira que me dê razão
sem pátria que me sirva de âncora ao coração
transbordo minhas ânforas de mágoa e alegria.
Nenhum idioma me prende, toda língua me permeia
porque meus sonhos não obedecem a qualquer dicionário.
Precário é o grito da mosca
quando se vê enredado por qualquer teia.
Meu sangue carrega as histórias mais toscas
porque é difícil definir a cor daquilo que corre em minhas veias!
Minha pátria é este sol, esse mar, essa dor e essa gente;
minha pátria é meu pão de cada dia
e o resto é pura fantasia.


domingo, 19 de dezembro de 2010

TEMPUS FUGIT


Chega uma hora em que o tempo nos diz: basta! 
E a gente foge tão rápido, que só deixa para trás a casca.




CITAÇÕES DE ESTAMIRA

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Citações de Estamira


Estamira é uma mulher sexagenária, considerada louca por sua família e conhecidos, moradora de um lixão no Rio de Janeiro, que vive da reciclagem daquilo que para nós é lixo, mas que para ela e para muitos milhares de brasileiros é vida, simples assim.


Ela alterna estados de lucidez e fúria, vituperando contra forças ocultas, discursando altíssimas filosofias que seus companheiros de ofício, entre os cães e os urubus, mal compreendem. Seu discurso apocalíptico é entrecortado por sorrisos triunfantes, que só se perdem quando ela se enfurece com a humanidade, ou melhor, com a "esperteza ao contrário" de todos os que a cercam.


O filme de Marcos Prado é de 2005, mas é tão atual quanto o sol que nasceu hoje; e eu, poeta, não poderia deixar de registrar aqui essa minha lembrança recorrente, que mexeu com meu jeito de ver, descrever e escrever o mundo. Estamira é essencial, porque é simples. Estamira ("esta mira" / "esta paisagem" / "essa visão") é um daqueles espelhos onde a humanidade pouco gosta de se olhar.


"Eu trago a boa sorte, mas a minha sorte não é boa."



"Eu não sou como vocês, que são apenas robôs sanguíneos."


"A culpa é do hipócrita, mentiroso, e esperto ao contrário! Entendeu? É o que joga a pedra e esconde a mão!"


"Há o controle remoto. Veja, existe o controle remoto superior, natural... e há o artificial. O controle remoto é uma força assim quase como a luz, a eletricidade, por assim dizer. Agora é o seguinte: no homem, na sua carne estão os nervos, que são como cabos que transmitem as informações, como os cabos de eletricidade. Agora os deuses, que hoje são os cientistas, os técnicos... eles controlam, eles vêem até onde podem. Os cientistas, por meio de trocadilhos, de engodos, eles conseguem tudo. Por que o controle remoto nunca se queima, ele se distorce, gira. O cientista tem um medidor que revela, que controla. Tão simples, não?"


"Eu não sou feiticeira, não sou louca, não sou nada assim como a classificação que o homem produz. Eu sou livre, porque tenho o controle remoto natural, o superior!" 


"Neste mundo de maldades não tem mais o inocente. O que tem, isto sim, por todo lado, é o esperto ao contrário!"


"Você tem sua camisa, você está vestido, mas está suado. Você não vai tirar a sua camisa e jogar fora. você não pode fazer isso! Mas é assim que estão fazendo, de certa forma. Veja que isso aqui é um depósito dos restos. Ás vezes é só resto, mas ás vezes é só descuido. Resto e descuido! Quem revelou o homem como único ser condicional ensinou a conservar as coisas, e conservar é proteger, é cuidar, lavar, limpar, e usar o quanto pode. Mas o homem aprendeu a consumir e humilhar. Isso é o desperdício da coisa, e da alma."


"Eu vivo no lixo, mas não sou o lixo, sou o cuidado e a conservação, o que mantém o equilíbrio das coisas. Os cientistas enganaram Jesus. Ele não me vê, nem sabe de mim. E os cientistas não chegam até aqui, por isso o controle não me engana. A religião morreu, mas o controle remoto ainda existe, o natural e o artificial. Vive quem escolhe. Qual é o seu?"


"O homem torna-se visível quando nasce. Mas não é nascer de dentro da mãe, mas em sua realidade!"






http://www.estamira.com.br/
[Estamira, de Marcos Prado, Documentário, 2005]




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sábado, 18 de dezembro de 2010

O MACETE



“Speak softly, and carry a big stick.” 
- Theodore Roosevelt 

Em bom Português vou dar o macete: "Fale manso, mas traga um porrete!"
- Marcelo Sousa

sábado, 11 de dezembro de 2010

DEMÊNCIA



Quero, mas não posso.
De espuma são feitos meus ossos.
Pra sempre, pra mim, é sempre muito pouco.
Não me tirem por gênio; eu sou mesmo é louco.
Tenho mãos que sabem os mais perfeitos carinhos,
mas meus gestos dizem ao mundo que quero estar sozinho.
Toda dissonância me alivia. Toda confusão me anima.
Mesmo assim teimo em perseguir a correta rima.
Eu poderia ser feroz, pois tenho músculos e astúcia,
mas meu juízo me faz sempre parecer um bicho de pelúcia.
Meu corpo pede, minha alma refuta.
Doar aos pobres ou gastar com as putas?
Não vou à missa; jamais provei uma hóstia.
Mas Deus nunca deixou-me com perguntas sem resposta.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

UM TELEFONEMA




Um Telefonema



Manhã de dezembro, dia abafado no Rio, apesar do céu cinzento típico do inverno. Faço malas para uma nova viajem. É o terceiro fim-de-semana na ponte aérea e a segunda noite de insônia. Tenho evitado espelhos e pessoas, mas viver me força a uma certa dose de contato com ambos. Vida que escolhi, ou caminhos pra onde fui empurrado? Não penso, apenas sigo adiante, ou cortando caminho pelos lados. 


Estava na cozinha tomando chá quando o telefone tocou...

Era um telefonema fortuito, inesperado. Logo pela manhã ouvir aquela voz rouca e doce tão perto do meu ouvido foi um choque, mas depois dos primeiros segundos aquilo se tornou uma experiência deliciosa e ao mesmo tempo aterradora. Foi como se eu mesmo, ou uma versão melhor de mim, extraviada em algum lugar do passado, pegasse o telefone só para ter essa conversa comigo:


- Alô?


- "Escuta, preciso que você me deixe seguir em frente. Pare de pensar em mim, por favor."


- Quem está falando?


- "Você sabe!'


- Sinto sua falta. Será que...

- "Olha aqui, rapaz, você está indo muito bem, aliás, nós estamos indo muito bem um sem o outro.

- Mas ainda dói, você sabe...

- "Óbvio que dói, estamos vivos, doer é o termômetro por onde medimos isso. Se nada doer mais, estaremos frios, mortos."

- Eu mudei, e queria ter você de volta...

- "É claro que mudou. Eu mesma também mudei, e daqui do passado onde você me deixou eu também consegui uma forma de prosseguir. Eu criei um futuro descolado do seu."

- Isso é cruel.

- "Sim, é a vida, lembra? Você nunca poderá mais ser, sozinho, aquilo que poderia ser comigo, mas o que importa é que eu ainda me importo, e sei que tu te importas também. Estou te ligando pra dizer que..."

- Eu te amo!

- "Também gosto muito de você. Agora dorme. Já é tarde."

- Nunca é tarde!

- "Confia em mim. Já é muito tarde. Bons sonhos..."

E foi como se eu pudesse ouvir e sentir o telefone se afastando do rosto dela, enquanto eu tentava com a voz trêmula e vacilante dizer umas últimas palavras, repetitivas e patéticas, que eu esperava que funcionassem como uma corda jogada ao mar a resgatar alguém que se afoga... "Eu te amo!"

E do fundo do limbo azul para onde aquela voz mergulhava de volta, juro que ainda pude ouvir uma resposta: "Também amo você. Adeus."