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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

UM TELEFONEMA




Um Telefonema



Manhã de dezembro, dia abafado no Rio, apesar do céu cinzento típico do inverno. Faço malas para uma nova viajem. É o terceiro fim-de-semana na ponte aérea e a segunda noite de insônia. Tenho evitado espelhos e pessoas, mas viver me força a uma certa dose de contato com ambos. Vida que escolhi, ou caminhos pra onde fui empurrado? Não penso, apenas sigo adiante, ou cortando caminho pelos lados. 


Estava na cozinha tomando chá quando o telefone tocou...

Era um telefonema fortuito, inesperado. Logo pela manhã ouvir aquela voz rouca e doce tão perto do meu ouvido foi um choque, mas depois dos primeiros segundos aquilo se tornou uma experiência deliciosa e ao mesmo tempo aterradora. Foi como se eu mesmo, ou uma versão melhor de mim, extraviada em algum lugar do passado, pegasse o telefone só para ter essa conversa comigo:


- Alô?


- "Escuta, preciso que você me deixe seguir em frente. Pare de pensar em mim, por favor."


- Quem está falando?


- "Você sabe!'


- Sinto sua falta. Será que...

- "Olha aqui, rapaz, você está indo muito bem, aliás, nós estamos indo muito bem um sem o outro.

- Mas ainda dói, você sabe...

- "Óbvio que dói, estamos vivos, doer é o termômetro por onde medimos isso. Se nada doer mais, estaremos frios, mortos."

- Eu mudei, e queria ter você de volta...

- "É claro que mudou. Eu mesma também mudei, e daqui do passado onde você me deixou eu também consegui uma forma de prosseguir. Eu criei um futuro descolado do seu."

- Isso é cruel.

- "Sim, é a vida, lembra? Você nunca poderá mais ser, sozinho, aquilo que poderia ser comigo, mas o que importa é que eu ainda me importo, e sei que tu te importas também. Estou te ligando pra dizer que..."

- Eu te amo!

- "Também gosto muito de você. Agora dorme. Já é tarde."

- Nunca é tarde!

- "Confia em mim. Já é muito tarde. Bons sonhos..."

E foi como se eu pudesse ouvir e sentir o telefone se afastando do rosto dela, enquanto eu tentava com a voz trêmula e vacilante dizer umas últimas palavras, repetitivas e patéticas, que eu esperava que funcionassem como uma corda jogada ao mar a resgatar alguém que se afoga... "Eu te amo!"

E do fundo do limbo azul para onde aquela voz mergulhava de volta, juro que ainda pude ouvir uma resposta: "Também amo você. Adeus."



2 comentários:

  1. Até quando você não é um Heleno, surpreende-me. A dor genuína é oportunismo das letras para a batalha do alinhamento na busca do sentido. Levemente sádico, adorei meu amigo. Um Salve ao universalismo cotidiano e nos proezas de náufrago.

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  2. Cruel é que 99% dessa história é real. E mais cruel ainda é que esse último 1% imaginado pode ser muito mais dolorido do que tudo o que já foi vivido.

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