Ask Google Guru:

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

ENTRETANTO



Eu queria,
mas percebi que querer
é pouco.

Então comecei a desejar
mas entendi que desejar 
é demais.


ID







A cena é recorrente -
um arpão e seu ensejo:
a ponta afiada de um olhar
percebido no arpejo frio das retinas
tocaiando um alvo que se afasta
mas não se move. 

O metal da íris
resolve as distâncias 
abarbando espaço e tempo
num piscar de olhos.

A hora certa espera 
sob o manto da vontade
logo ali onde as verdades 
descansam resumidas 
a pequeninas resmas 
de luz e escuridão.

A cena é recorrente -
jamais estamos sozinhos:
ao mirar, mesmo de soslaio, 
um ponto escuro qualquer
a treva silente (pulsante)
sempre olha de volta.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

A PELE




A pele da mulher 
que não escrevi.

A pele do poema 
que não toquei.

A pele da canção 
que não amei.

A pele do tempo que 
perdendo, amando-em-vão, 
ganhei.

A minha pele, que é tua, 
minha, nossa, de ninguém, 
já não sei.





domingo, 16 de novembro de 2014

ALVORADA





[prólogo]


Reinvento memórias recortadas de outros livros 
que escrevi sob o gozo e a tortura 
das horas mais simples.

É tudo verdade,
mas nem tudo aconteceu.

1.

É domingo novamente,
mas não de novo.

N'algum lugar descansam
meu pai e meu filho.

Apenas eu, que ainda sou finito,
e cansado, resisto.

Os sinos amplificam esta verdade:
é domingo novamente, mas não de novo.


2.

As notícias matutinas
decretaram o fim da rima rica.

Fica o sentimento de que acabou o pão,
mas o café não.

Entenda, a dissonância é intencional,
mas também inevitável.

Convém resguardar um minuto
e um torrão de açúcar.


3.


Não escrevi o poema 
que no seio da madrugada crepita
debaixo de lençóis salpicados de estrelas de suor.

Não senhor, não escrevi sobre o negro gigante
que tempo roeu, acinzentou, perolou de brancas nuvens
depositando a mármore das horinhas banais desta vida 

nos cantos escuros 
onde não se percebe, com sorte, 
a morte.


Não escrevi o verso triste 
nem a epopéia deste homem
cujo sedimento paciente foi arrastado pela chuva

e que na torrente de desfez sem culpa nem mágoa
vertendo a si mesmo nas águas misteriosas
dos dias mais banais.

Não, o poema não chegou em tempo
de colher o rosto flácido entre as mãos
de um herói descrente, mas obstinado.


4.


O meu poema crepita sem força
no seio de uma noite calada.
Uma noite alada.

Os tremores herdados, 
plantados em meus gametas
desfolham-se num gozo perverso

desperdiçado no gesto da pena breve
que risca em rubras tintas a sua prosa
mas nunca, nunca, nunca mais um verso.

No pêndulo afiado 
que trago sobre minha cabeça
brilha a gênese da minha extinção:

todo abismo merece um sorriso, precioso,
lançado à flor do vento com desdém 
e paixão.


5.


Não escrevi o poema,
que desvendará o teu nome 
para a posteridade,
meu pai.

Estamos agora 
tão perto dele - o poema -
que já nem precisamos contá-lo
aos que por nós passaram.

A alvorada se aproxima
sorrindo por cima das encostas fustigadas 
pelos maravilhosamente (milagrosamente) comuns
incêndios e maremoros da nossa vida.

As rimas do poema que jamais será escrito
serão mastigadas pelos seres minúsculos
que minuciosamente te devoram
e me esperam.


6.


Não escreverei este poema.
Que minhas palavras se guardem em si mesmas
e tenham a paciência das flores nascidas no inverno.

Em algum lugar um herói nascerá.
N'algum momento - passado ou futuro,
não importa - um homem enorme virá

e me fará dormir o primeiro e eterno sono
tranquilo, que me faz tanto sentido agora
nessa noite longa e turbulenta.


7.


Não escrevi o poema.
Não o escreverei, ainda.

Na noite que já termina, 
as rimas crepitam como a luz dourada do sol

fervendo o sal do mar de versos que a gente não diz
na hora primeira - ou derradeira - 

em que enfim nos encontramos
com nosso reflexo, perplexo.


8.


Um herói, 
um gigante de cera
derrete-se com calma
sob a luz de uma alvorada veloz.

Percebo o brilho dos seus olhos
no pêndulo afiado desta hora
que sobre minha cabeça
balança.

O tempo se contorce,
serpente emplumada que a si mesma consome

engolindo voraz a própria cauda.

O passado olha para frente
mirando miragens no espelho.

Aquele homem, negro, 
enorme, dorme, e

agora é a sombra compacta e densa
que numa gaveta descansa.

Versar já não vale à pena.
Deixemos descansar (em paz?)

os heróis ignorados
pelos nossos melhores (ou piores) poemas.


[epílogo]

Faço inventários
de tudo o que está ausente.

Trago em mim oceanos 
cujas marés foram calcinadas
pelo átimo apenas pressentido.

A história é breve,
o tempo não.


[post-scriptum]

Aprendi novos acenos
com as asas das gaivotas.

(Todo abismo
merece um sorriso.

sábado, 8 de novembro de 2014

NENÚFAR




Todos os espelhos estão opacos. 
Por isso vejo mais claro.

Há peles morenas esperando o carnaval
por baixo da moldura de luz e metal.

(Gente é pra brilhar?)

Não é obrigatório sorrir na foto.
Mas, e de fato?

Cumpro ritos.
Palavra, às vezes, é só confete.

Esgoto
as possibilidades do poema
na vala comum destes versos
sem direção.

Do lodo nascerá a flor de lótus.
O nenúfar, a vitória régia,
essas também.

A esperança, 
não.

Ratos de pelúcia, baratas ambarinas,
besouros de madrepérola, percevejos de marfim,
carne-e-osso pra mim.

Caço contornos, horizontes.
Retorno de mãos vazias.

Nenhuma palavra merece meus lábios.
Ainda assim, canto.

Espero.
Faço mira.

O arco, por demais retesado,
arrebentará sem alarde, em tempo breve. 
Flecha de imburana, a seta de pedra-de-fogo, 
a mão soberana, erradia, desafiando a paz dos lobos.

Vontade é manobra difícil, exigência sempre inoportuna: 
vontade de seguir, prosseguir, porque todo vento é contra, 
ainda que empurre para a frente. 

Tudo é tensão.

Não faz sentido fazer poema. 
Não faz sentido fazer amor.

Sob a pele jaz a espuma do ser.
Entre os pelos, as ramas do querer.

Debuto desesperanças festivas.
Abismos me atraem.

Procuro sempre uma pulga
atrás da orelha de louça de um santo qualquer,
talvez um pequeno deus com olhinhos de serpente
e corpo de mulher.

Oremos.

Aprendi palavras novas.
Não as usarei jamais.

Trago nas mãos esses versos soltos, 
versos ruins, porque o bom verbo quero-o bem guardado, 
longe de holofotes, distante de ribaltas.

Falta pão, 
tomemos champagne.

Esquivo-me das boas causas.
Desvio o olhar dos favores mais doces.
Estou envergonhado demais para acreditar
no mel venenoso de cada manhã.

Gosto de gente.
Mas nem tanto 
de pessoas.

Calo.
Resvalo em ninharias.

Problema, teorema, teoria, tudo é esperança.

Todo problema tem cálculo, exercício, 
trabalho e resposta.

O que não é problema 
não tem solução.

Do lodo brotará
a flor de lótus.

Nascerá branquíssimo o lírio d'água
na foz das mágoas rasas desta vida.

Aqui, no pântano 
há pouca esperança. 
Mas, cedo ou tarde, 
haverá redenção.

sábado, 1 de novembro de 2014

ÁTIMO



[Rio de Janeiro, 03 de agosto de 2014 12h:48m]

Estou pleno de vazios ensolarados.
Escrevo, espero, moto-perpétuo.

O poema ruim
me assombra
ainda.

Modo de usar:
abuse.

Recorte o que quiseres.
Com tesoura, ou com os olhares
afiados, que guardastes pra mim
hoje.

(...)

Tenho tótens inabaláveis,
musas intocáveis, platonismos insofismáveis,
que me confortam tanto quanto murros
em ponta de faca.

É bom ter fantasmas bonitos à mesa.
Quanto aos meus amigos, mantenho-os à distância.
Sua fragrância flagrante denuncia abutres sorridentes
que chegam espalhafatosamente sem surpresa.

O abraço lasso dessas carnes gordas
não preenche o vazio de tanta gente.
O laço do passarinheiro não faz jus ás cordas
que o acusador usou em seus planos correntes.

Não confio em irmãos de sangue
ou em gangues de admiradores de ursinhos de pelúcia
ou poetas que acordam vomitando um arco-íris por dia
ou morenas virgens que ouvem rock n' roll
e pintam os cabelos de azul-piscina.

Não confio em rimas fáceis
nem nas difíceis, nem nas que não estão lá,
mas ainda assim, ausentes, fazem música em meus ouvidos
que sangram silêncios tonitroantes, tonitroantes, tonitroantes!

Mas creio na repetição dos meus gametas
nas estrofes do pior verso possível.
Valha-me deus!

(...)

Julgado antes do crime,
procurei escuridões diversas
e em versos pobres, mas apaixonados,
escondi de meus olhos o lume.

(...)

Encho cântaros com uma desolação festiva
que de tão bonita, vira flor-de-sal
em meus olhos.

Estou pronto para partir.
Preciso apenas convocar meus fantasmas
e contá-los as boas novas.

Minha palmeira invencível florescerá
alimentada pelo húmus da minha ausência
e pela doce constância da sua própria dor.

Minha torre de marfim queimará ainda
linda com suas madeixas cor-de-crepúsculo
ondulando em labaredas de desejo e solidão.

(...)

A voz daquele homem escorria devagar pelas paredes da casa. No jardim, as árvores esqueciam o tempo para ouvir o dialeto anglo-baianês do caboclo-rei da Roma Negra. Era um som estrangeiro e muito nosso. Eram ossos de antepassados próximos, a chacoalhar dentro de caixas de papelão e sonho.

Outra voz, sustenida, trazia vida aos recantos povoados pelos cegos da coorte da minha morte. Tanto mar adentro, tanta sorte. O mar das Gerais é a montanha. O oceano dessas Minas é o sonho nosso de cada dia, café com pão, bolo de laranja, poesia, mão na enxada em terra ignorada, e passo cambaio em arranha-céu de cidades distantes, o agora manchado pelo antes, e o sempre no ventre do quem-sabe-um-dia.

(...)

Odin e Ogum na mesa do bar.
No palco, Shiva subiu,
e vai cantar.

बार में ओडिन और तालिका.
मंच पर, शिव गुलाब,
और गाऊंगा.

(...)

Já fui a um pagode no Camboja,
mas nunca em Xerém.

(...)

Uma ave que não vi passar
deixou seu canto de dolorosa alegria
boiando no ar entre o crepúsculo e a alvorada.

پرنده ای که دیدم عبور نمی کند
سمت چپ به جای شادی دردناک
شناور در هوا بین غروب و طلوع صبح.

Não ousarei mirar a foz dos céus
à procura de qualquer criatura alada.
Não ousarei chegar aos pés de Deus
para dizer que já não quero nada.

آیا جرات نیست به هدف دهان
از بهشت به دنبال هر موجود بالدار
. من به جرات پا از خدا نمی رسند
به می گویند که دیگر هر چیزی را می خواهید.

(...)

Pátroclo sem Aquiles.
Infame, porém vivo.

(...)

As rosas colombianas já não eram tão vermelhas,
e as velhas carpideiras de Tegucigalpa estavam secas.

As coxas morenas das jovencitas de Havana,
cobertas de chita branca (amarelada)
com cheiro de cravo e alecrim.
Longe de mim.

As mãos enrugadas da matrona pálida do Realengo,
fedendo a peixe e detergente, mão preta e longa
que eu tinha que beijar.

O nariz frio da prostituta de Zagreb,
os seios pequenos da italiana que encontrei
num beco da velha cidade de Praga,
o sexo mecânico das mulheres biônicas
nas termas próximas ao Arco do Teles,
o olhar assustado das vilãs do Café Photo,
a ladainha e a jogatina, e o uísque batizado
na casa do padre Tristão, lá em Brasília,
e as filhas bonitas do coronel Paim,
o filho-da-puta mais rico de Quixeramobim.

Hoje caminhei na praia,
à procura de qualquer verdade tropical
que me levasse a um delírio gostoso,
qualquer canto de sereia que me fizesse naufragar.
Mas logo troquei o espanto da hora por meio litro de mágoa,
na falta de um Veuve Clicquot ou de qualquer sumo de Mandrágora
amassado pelos pés das nove virgens grávidas de Athenas.

Apenas a água,
ardente, caiu do céu.
Mas não choveu.

(...)

Meus dedos petrificados afogam-se
num afago perdido entre carnes que ignoram
a extrema impossibilidade dessa hora.

Lembro de não ter escrito poema algum.
E não o farei agora.