Ask Google Guru:

sábado, 1 de novembro de 2014

ÁTIMO



[Rio de Janeiro, 03 de agosto de 2014 12h:48m]

Estou pleno de vazios ensolarados.
Escrevo, espero, moto-perpétuo.

O poema ruim
me assombra
ainda.

Modo de usar:
abuse.

Recorte o que quiseres.
Com tesoura, ou com os olhares
afiados, que guardastes pra mim
hoje.

(...)

Tenho tótens inabaláveis,
musas intocáveis, platonismos insofismáveis,
que me confortam tanto quanto murros
em ponta de faca.

É bom ter fantasmas bonitos à mesa.
Quanto aos meus amigos, mantenho-os à distância.
Sua fragrância flagrante denuncia abutres sorridentes
que chegam espalhafatosamente sem surpresa.

O abraço lasso dessas carnes gordas
não preenche o vazio de tanta gente.
O laço do passarinheiro não faz jus ás cordas
que o acusador usou em seus planos correntes.

Não confio em irmãos de sangue
ou em gangues de admiradores de ursinhos de pelúcia
ou poetas que acordam vomitando um arco-íris por dia
ou morenas virgens que ouvem rock n' roll
e pintam os cabelos de azul-piscina.

Não confio em rimas fáceis
nem nas difíceis, nem nas que não estão lá,
mas ainda assim, ausentes, fazem música em meus ouvidos
que sangram silêncios tonitroantes, tonitroantes, tonitroantes!

Mas creio na repetição dos meus gametas
nas estrofes do pior verso possível.
Valha-me deus!

(...)

Julgado antes do crime,
procurei escuridões diversas
e em versos pobres, mas apaixonados,
escondi de meus olhos o lume.

(...)

Encho cântaros com uma desolação festiva
que de tão bonita, vira flor-de-sal
em meus olhos.

Estou pronto para partir.
Preciso apenas convocar meus fantasmas
e contá-los as boas novas.

Minha palmeira invencível florescerá
alimentada pelo húmus da minha ausência
e pela doce constância da sua própria dor.

Minha torre de marfim queimará ainda
linda com suas madeixas cor-de-crepúsculo
ondulando em labaredas de desejo e solidão.

(...)

A voz daquele homem escorria devagar pelas paredes da casa. No jardim, as árvores esqueciam o tempo para ouvir o dialeto anglo-baianês do caboclo-rei da Roma Negra. Era um som estrangeiro e muito nosso. Eram ossos de antepassados próximos, a chacoalhar dentro de caixas de papelão e sonho.

Outra voz, sustenida, trazia vida aos recantos povoados pelos cegos da coorte da minha morte. Tanto mar adentro, tanta sorte. O mar das Gerais é a montanha. O oceano dessas Minas é o sonho nosso de cada dia, café com pão, bolo de laranja, poesia, mão na enxada em terra ignorada, e passo cambaio em arranha-céu de cidades distantes, o agora manchado pelo antes, e o sempre no ventre do quem-sabe-um-dia.

(...)

Odin e Ogum na mesa do bar.
No palco, Shiva subiu,
e vai cantar.

बार में ओडिन और तालिका.
मंच पर, शिव गुलाब,
और गाऊंगा.

(...)

Já fui a um pagode no Camboja,
mas nunca em Xerém.

(...)

Uma ave que não vi passar
deixou seu canto de dolorosa alegria
boiando no ar entre o crepúsculo e a alvorada.

پرنده ای که دیدم عبور نمی کند
سمت چپ به جای شادی دردناک
شناور در هوا بین غروب و طلوع صبح.

Não ousarei mirar a foz dos céus
à procura de qualquer criatura alada.
Não ousarei chegar aos pés de Deus
para dizer que já não quero nada.

آیا جرات نیست به هدف دهان
از بهشت به دنبال هر موجود بالدار
. من به جرات پا از خدا نمی رسند
به می گویند که دیگر هر چیزی را می خواهید.

(...)

Pátroclo sem Aquiles.
Infame, porém vivo.

(...)

As rosas colombianas já não eram tão vermelhas,
e as velhas carpideiras de Tegucigalpa estavam secas.

As coxas morenas das jovencitas de Havana,
cobertas de chita branca (amarelada)
com cheiro de cravo e alecrim.
Longe de mim.

As mãos enrugadas da matrona pálida do Realengo,
fedendo a peixe e detergente, mão preta e longa
que eu tinha que beijar.

O nariz frio da prostituta de Zagreb,
os seios pequenos da italiana que encontrei
num beco da velha cidade de Praga,
o sexo mecânico das mulheres biônicas
nas termas próximas ao Arco do Teles,
o olhar assustado das vilãs do Café Photo,
a ladainha e a jogatina, e o uísque batizado
na casa do padre Tristão, lá em Brasília,
e as filhas bonitas do coronel Paim,
o filho-da-puta mais rico de Quixeramobim.

Hoje caminhei na praia,
à procura de qualquer verdade tropical
que me levasse a um delírio gostoso,
qualquer canto de sereia que me fizesse naufragar.
Mas logo troquei o espanto da hora por meio litro de mágoa,
na falta de um Veuve Clicquot ou de qualquer sumo de Mandrágora
amassado pelos pés das nove virgens grávidas de Athenas.

Apenas a água,
ardente, caiu do céu.
Mas não choveu.

(...)

Meus dedos petrificados afogam-se
num afago perdido entre carnes que ignoram
a extrema impossibilidade dessa hora.

Lembro de não ter escrito poema algum.
E não o farei agora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário