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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

OS PÉS DA SEREIA




Fazer do mar
A cama que transborda,
Canto, manto,
Pranto e chão.
Paisagem
De azul cobalto
E pedraria vulgar.
Mata-borrão.
No olhar a teia
Dos dias idos
E dos vindouros.
Armistício.
Entrego o ouro
Por memórias de bem-querer.
Ser ou não ser?
Respirar na água, morta.
Tão distante de ser sereia,
Com sua cauda equilibrista,
Cabelo de ondas,
E olhos de encanto.
Abrir comportas
E deixar-se levar
E lavar com palavra
Os retalhos do existir.
Nas mãos a calmaria.
No peito maremoto.
Inútil
Rosa-dos-Ventos.
Navegar: moto-perpétuo.
Mas posso, ainda, fazer
Da alga desgarrada
Sargaço boiando em espuma
Talvez um poema
Sol refletido no quartzo
Vidrado na tez da praia.
Ao invés da cauda,
pé humano.
Invencível
Por todos os caminhos.
Água salgada
E sangue agridoce.
Bordados de escama prateada
E telas de arminho.
Pelo e pelúcia.
Minúcias do não-querer.
Deixo entornar meu cálice
E peco, peço
Mais um vinho.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

MARTELO DE AÇO EM SINOS DE CRISTAL





O que sabemos um do outro
Além do pouco de luz
Que nossos olhos escuros
Deixam escapar?

O jeito de conhecer bem rente
Como peixe agarrado num anzol
Ou gado marcado a ferro quente.
Os riscos, os discos, os carinhos
Como navalha em corpo arfante.

Sabe-me humano, finito, sozinho
Neste sinuoso caminho que atravesso 
Sobre as águas, mirando horizontes
Entre alegrias e mágoas
Como timoneiro-palhaço-equilibrista 
A vencer essas margens sem pontes. 

Meu texto calejado
Auscuta, inquire e sonda.
Torna-se carne-viva, resultado 
Do vai-e-vem das ondas, 
Da fluidez do existir,
Ato-efeito de insistir
Em ser, apenas ser
Às vezes água
Torpor oceânico
Noutras vezes magma
Terror vulcânico.

Lâmina, líquido, álcool, navalha,
Sou, somos, para o bem e para o mal
Estátuas de sal que ousaram
Na fuga, olhar para trás.
Sobre o mármore do mundo,
Para além do bem e do mal
Somos filhos do absurdo,
Estátuas de puro sal.

Somos, seremos, sempre meninos,
Ou coisa que o valha, talvez algo mais,
A badalar linda e perigosamente
Com martelo de aço
Estes sinos de cristal.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

THE ASHES OF ROBERT FROST





Purple silverlinnings.
Golden leaves at dawn.
Blue sparkles of light.
Grey eyes beholding.
Dark thoughts unfolding.
The sun is a rusted dime.
Birds of fire hide on heavy clouds.
The thunder roars a lulabby.
Times are changing.
But not passing by.

What rest is fire.
Under the skin, no pain.
Pain, poetry, no more.
No memory of yore.
No shinning secrets.
Nothing to keep warm or cold.
At the bottom of a rainy night.
On the top of a sunny day.
The poet is gone.
Gold is just a mere stone.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

NA MANHÃ DE UM DOMINGO COR DE LARANJA






Na manhã cor de laranja desse domingo
Contar moedas cunhadas em terra estranha
Rasgar antigas cartas de amor e ódio
Adivinhar os pássaros que habitam o céu de cobre 
Inventar palavras de ordem contra os deuses
Lavar o chão do quintal como quem lava a alma
Com calma arrancar as ervas das frestas do dia
Espantar os gatos que fazem amor sobre os jasmins
Plantar pimenteiras que jamais irão vingar
Furar o dedo nas roseiras murchas do jardim.

Na manhã cor de laranja deste domingo
Perder-se nos olhos dos caranguejos do mangue
Pitar um cachimbo imaginário à beira da lagoa
Beber o sangue de Cristo na missa dos pobres
Achar uns cobres no bolso furado de um casaco
Sugar os seios de uma bailarina (eu menino, ela me nina)
Chorar uma única lágrima de uma torturada alegria
Acreditar novamente nos irremediáveis lances da sorte
Catar aos pés do coqueiro seus braços pretos, murchos
Mastigar promessas e preces trazidas pelo vento do norte.

Na manhã cor de laranja desse domingo
Ler notícias antigas no jornal recém chegado
Raspar com paciência a casca podre da vida
Beber devagar o fel gostoso da esperança
Desfazer os nós dos hábitos, quebrar cadeados
Sacudir a poeira dos livros, dos discos, dos ossos
Beijar a mão de fantasmas de cara risonha
Aceitar desconfiadamente os milagres dessa vida medonha
Lutar contra angústias enormes, em favor das pequenas
E seguir cospindo marimbondos como se fossem poemas.

SENHORA




Como o oceano imenso
abraça as terras todas de uma só vez
embalando o mundo no berço ritmado de suas marés
assim eu, pequeno perante a tua lenda, 
sou acolhido por esta presença firme e doce 
resumida num abraço de mulher.

Num instante que facilmente
eu poderia chamar de eternidade
sinto todos os meus átomos 
desejando experimentar o teu corpo:
sou uma criança excitada por trovões 
que ressoam nos confins da noite
e sob o açoite das impreteríveis vontades 
que me assombram, deixo-me acolher
pela tua presença firme e doce 
resumida num abraço de mulher.

Mas num lampejo a realidade nos afeta
e teu olhar repreende o poeta dizendo "sim"
enquanto teu corpo aceita o homem dizendo "não"
separando-nos devagar, deixando-me flutuar para longe
da tua presença firme e doce resumida num abraço de mulher.

sábado, 26 de janeiro de 2013

O MOMENTO CERTO




Nada é. 
Tudo está sempre
Sendo ou tentando ser.
E se você está parado, muito atento
Esperando o inesperado te dizer "oi"
num piscar de olhos você vai estar atônito,
Percebendo que o que era pra ser... já foi!

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A MELHOR FLOR DOS PIORES TEMPOS





[ou... Cavando Abismos, Construindo Pontes]


Acostumei-me ao rebuscados meneios da poesia. Mal costume, devo dizer. Porque a cada dia que passa tenho que ser mais homem, mais humano, e subverter toda lira, e não pensar mais em ramos floridos bailando entre os dedos da brisa matutina, nem nas ondas de chumbo líquido que se descabelam ao encontrar a terra, bordando de brancas espumas os lábios do continente. Não, não cabe rimar. Contemplar a poesia não cabe, nessas horas de ferro e fogo que exigem da gente a palavra dura e a atitude medida dos homens de verdade.

Mas o que é ser um homem de verdade? Ser rude? Mentir? Acordar cedo e sair para a vida com a gravata apertada no colarinho, com o tempo nos estrangulando, com contas a pagar, com as mãos secas para machucar os outros, com o corpo esperando o sexo sem carinho, a agulha, o vício, a morte?

Será o tempo o nosso vilão? Será o tempo a mão esquerda de Deus? Será que existe um Deus? Ou será que cada homem cria um álibi chamado Deus para cuidar do episódio humano como quem vive a podar uma árvore que só queria florescer?

Há algum tempo não encontro refúgio nas palavras. Elas que me acolheram nas horas mais difíceis, hoje me fogem como cavalos selvagens, e são ariscas, brutas, e jogam poeira nos meus olhos e me fazem chorar um choro abafado e envergonhado. Homem não chora, menino!  E as palavras passam, cavalgam sem cuidado com as campinas floridas, e rima alguma me contempla, nem mesmo a mais dolorida. As palavras passam por meus olhos, mas por mais que eu as mire, não acredito mais na verdade dos seus nomes. Elas nascem de todos os lugares e de lugar nenhum; elas voam por todos os lados e se chocam contra o meu peito como aves cegas contra um rochedo à beira-mar. Como sorrir assim? Como cantar a paisagem se todas as janelas estão fechadas?

Tempo sem beijos. Tempo de apertos de mãos sem vontade. Tempo de dividir o cativeiro com o inimigo. E as palavras ao redor, paredes sujas, corredores escuros, os carinhos disfarçados de mal-querer, os maus-tratos adornados com fita cor-de-rosa e com cheiro de chocolate. É como se todos os ramos de flores escondessem venenos mortais, adagas, punhais. Onde foi que perdemos nossa delicadeza? Quando foi que amar ficou fora de moda? As pessoas caminham em círculos, mãos dadas com luvas cheias de espinhos.

Outro dia me encontrei olhando nos olhos de outra pessoa, e confesso que estremeci. Nos últimos anos chegar perto de qualquer ser humano era para mim como aproximar-se da beira de um abismo. Curiosidade, medo, náuseas, desconforto...  E por isso abracei as formas mais efêmeras de existência, e me tornei uma lenda pra mim mesmo. Mas de tempos em tempos eu me pego desafiando a perigosa distância da qual me fiz refém, e a despeito do perigo de perder-me nos abismos da alma alheia, deixo-me apaixonar pela mais banal da criaturas, por aquela que passa sem me notar, por aquela que sorri sem terceiras intenções (porque das segundas ninguém escapa) e que me estende a mão desnuda, sem as luvas cotidianas a que todos nos acostumamos a usar.

Esta criatura em construção sempre me surpreende com a força da sua poesia. Poesia que eu não acreditava existir mais! 

Engraçado como nosso pensamento caminha pelas mesmas trilhas, ás vezes ensolaradas, ás vezes obscuras. A vida continua dura, ríspida, mas há quem resista. Há quem resista!

Meus nós desataram-se há muito tempo, e nem lembro mais o que é ter um porto seguro, ou uma corda que me prenda a alguma coisa, alguém, algum lugar. Mas quanto mais eu conheci do mundo, mas percebi o quanto todos nós somos parecidos, as mesmas vontades, os mesmos pecados, as mesmas forças e fraquezas. Tanto que vejo gente por demais apegada ao carcomido mantra do "eu-meu-eu-meu" e não entendo como pode haver tantos cegos neste castelo em ruínas. 

Somos como pessoas que caminham no escuro, uma ao lado da outra, mas sem se ver, sem se tocar, e por isso seguindo sempre em frente, com uma imensa impressão de estar só. Faltaria só um gesto na direção oposta para que o milagre acontecesse, mas já é tarde para acreditar em milagres, e caminhar é preciso.

Mas um milagre pode acontecer, e que seja a poesia o seu veículo. Como uma criança deixa sua mão registrada no cimento fresco, sem saber que aquele toque ficará ali para sempre, assim quero ser, chegando de leve e arrebatando meu semelhante, como uma pena bonita e colorida que vem flutuando e nos toca o ombro, e a gente guarda com um carinho sem explicação, numa caixinha que talvez fique esquecida em alguma gaveta, lembrança única de que um dia nos apaixonamos por um pássaro que nem vimos nem ouvimos, pois passou voando veloz em direção ao seu destino de liberdade.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O SEMEADOR DE ESTRELAS





Quando já for um velhinho
e todos nesse mundo perverso
pensarem que estou louco
vou pegar verso a verso,
e então pouco a pouco
como fazem as criancinhas
salpicarei estrelinhas
nas entrelinhas.

SUPERFÍCIE


Não se importem
Com as firulas do cérebro
Nem com as sutilezas da alma.
Sem mais delongas eu vos digo:
É à flor da pele que mora o perigo!