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terça-feira, 12 de maio de 2015

PROVISÓRIO



Meu tempo é agora,
mas, por enquanto, não hoje.
O minuto seguinte ainda está longe
e queima como uma promessa desfeita:
viver urge, num vagar que nos causa vertigem
enquanto as cinzas caem, depositadas mansamente
nas ânforas de tempo que os deuses, com seus clarins,
seus flautins, suas trincas de oboés, seu violão, seu tambor, 
concedem a quem tem pressa de ser infinito, ser maior
que aquele minuto que vem vindo de longe
dizendo que viver urge, e nosso tempo
é agora, mesmo que não seja
hoje.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

OS PÉS DA SEREIA



Fazer do mar
a cama que transborda,
o ânimo, o vento certo,
o aperto de mão,
o hálito de bom
dia e adeus.

Canto. Manto.
Pranto e chão.

Paisagem
de azul cobalto
e pedraria impura,
falso ouro.

No olhar
a teia dos dias idos
e dos vindouros.

O ouro, repito,
o bonito ouro que cada
folha nova não fixa em vida
mas, por sorte, volta
a fixar na morte.

Armistício.

Entrego meus tesouros
por memórias de bem-querer.

Ser
ou não ser?

Mesmo que a lua
- minha irmã - não volte,
meus astrolábios cantarão
as notas possíveis
e as outras
também.

Há um norte
para onde ir, mas
não ainda, não hoje.

Hoje quero 
entreter os marinheiros
com a sombra dos meus seios
e a curva das minhas coxas
no entardecer, quando
não se vêem

as penhas,
e os engenhos fatais
guardados na ponta colorida
dos corais.

Navegar. Preciso me entender.

Saberei
respirar na água?

Guardo
sorrisos magoados
em relicários de laca.

Tão distante
de ser sereia ou talvez
já transfigurada na criatura
que elabora o canto mais bonito
- som de cristal quebrado nas poças
da retina - como quem implora

ao mundo que não ouça
esse riso-lamento, e dança
com sua cauda equilibrista
cabelo de ondas negras
e olhos de encanto.

É possível
perder-se na rotina
e se encontrar no labirinto.

É possível?

Abrir comportas,
deixar-se levar.
Lavar com palavra
os retalhos do existir.

No peito maremoto.
A inútil rosa-dos-ventos.
O astrolábio a beijar
mapas imaginários.

A cartografia do afeto.
O retrato sem luz.
A chaga aberta
mas sem pus.

Navegar:
moto-perpétuo.
Perder-se é preciso,
precioso.

Talvez eu tropece
e não saiba distinguir
a queda e o voo.

Mas posso, ainda,
fazer da alga desgarrada
- sargaço boiando na espuma -
talvez um poema
sol refletido na bruma
olho que flutua no quartzo
vidrado na tez da praia.

Meus cabelos
negros, negam nada ao vento.
Digo sim, mas com ressalvas:
por favor, me salve,
mas não agora.

No lugar da cauda,
pé humano: invencível
para todos os caminhos.

Já não será preciso
pôr pedras nos casacos.
Sou linda. Linda!

Foi o mar
quem disse.
Fosse outro
eu também creria.

Mas
a água salgada
não sacia.

Pele, pêlo,
escama, sou cada uma
de minhas vontades.

Maresia
e sangue agridoce.

Fosse
eu outra
estaria perdida.

Talvez eu seja
o peixe brilhante
que inaugura o arco-íris
na ponta de um anzol.

Talvez o sol
diga que sou a palmeira
que mira invencível
sobre as marés.

Canto: meu herói
há de vir.

O escudo, a espada
prateada e as telas
de arminho.

Meu herói
há de chegar sozinho
no devir do esperado dia

trazendo anel bonito
com a pedra mais vulgar
e num cálice que transborda
o sangue encarnado (não
azul) de suas veias.

Ele virá,
e eu, quase
inocente, fá-lo-ei beijar,
devagar, esses meus lindos
pés de sereia.