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domingo, 21 de julho de 2013

UNS E OUTROS





Muitos pedem mais sapatos.
Outros vão abrindo caminho.
Uns desejam mais plumas.
Outros só querem ser ninho.
Muitos querem mais fotos.
Outros, curtir o momento.
Uns pedem mais ação.
Outros pedem sentimento.
Muitos constroem galeões.
Uns navegam seu barquinho.
Outros arrebatam corações.
Uns preferem ter carinho.
Há os que passam como aviões.
Eu vou ficando. Eu, passarinho.

[- Para Mário Quintana.]

RETRATOS





Falsa intimidade.
A inutilidade das fotos.
A torpeza das suas legendas.
O soneto pior que a emenda.
O teatro por trás dos fatos.
Os sorrisos rotos.
As jóias raras nos esgotos.
Um poeta, um ídolo, um deus.
Um santo cultuado por ateus.
Os mecenas de coisas pequenas.
Os intelectuais iletrados.
Um porto, um cais.
Personagens sem personas.
Tudo divide, fingindo que soma.
Tudo é menos, fingindo ser mais.
Uma flor, nenúfar.
Um tótem feito de açúcar.
Abelhas e mariposas na mesma colmeia.
Moscas varejando a mesmíssima ideia.
E eu, fico em casa.
Protagonizo meu próprio drama.
Em silêncio. Em particular.
E deixo muito a desejar,
Aos que gostariam de ser plateia.

[Poemas sem começo e nem fim. 
Vidas que prosseguem, simples assim.]

terça-feira, 16 de julho de 2013

NOTAS PARTICULARES





[Notas particulares de quem sou agora 
para aquele que serei no minuto seguinte...]

Alegria, porém contida.

Confiança, mas prudente.

Amizade, mas à uma distância segura.

Paciência, sobretudo consigo mesmo.

Gentileza, mesmo com os que não merecem.

Se perder a paciência, não se esqueça de manter a educação.

Entre os ignorantes, seja elegante.

Imite os bons hábitos, mas não perca sua personalidade.

Diga sempre a verdade... para aqueles que se importam com ela.

Admire a beleza das flores, aceitando também a utilidade de um machado.

Aprecie um belo sorriso, mas não se deixe seduzir por todos eles.

Que tua voz seja firme, porém mansa.

Seja bom, mas não pusilânime.

Seja bravo, mas nunca impiedoso.

Viva como se fosse o último dia, mas esteja ciente das consequências do amanhã.

Que tuas mãos sejam fortes, mas carinhosas.

Seja amigo dos deuses, mas não os deixe decidir todos os seus caminhos.

Entre os lobos, seja homem. Entre os homens, seja o lobo. 

Prefira ser vaga-lume a ser estrela cadente.

E por fim, após ler tudo isso, não se preocupe em decorar regras ou conselhos. Geralmente os que vivem seguindo fórmulas prontas passam a vida de joelhos.

Cometa erros, e seja feliz. 

Escaparás de ser eterno, mas só por um triz.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

OS MORTOS RECONSTRUÍDOS




Alguns mortos simplesmente ficam conosco. A terra fria que os cobriu não é suficiente para enterrá-los, e as pequenas criaturas que se nutrirão do seu corpo não os farão deixar de existir. Depois de meses, eles permanecem, desconstruídos e reconstruídos. Sua memória se confunde com a nossa memória, e ele renasce por nossa vontade, e vê com nossos olhos, e sente com a nossa pele.

Esses mortos, reconstruídos, são o que muita gente chamava de fantasma. Os da roça tinham mania de dizer: "Toda assombração sabe muito bem pra quem aparece!" Sábios, esses matutos. Foram os primeiros a descobrir que os mortos voltam, mas não como eram antes. Voltam piores ou melhores, mas nunca os mesmos, porque foram reconstruídos por quem não os deixará ir embora jamais. Seus pecados podem ser redimidos, ou jamais perdoados. Suas marcas de nascença, ou são apagadas ou criam a aparência de um borrão. E ficam enormes suas mãos e seu rosto. E vagam por caminhos que, quam em vida, talvez eles nunca tiveram passado, mas que por nossa vontade, hoje passam, e caminham com desenvoltura. Os reconstruídos deixam de pertencer a si mesmos, e perdem a liberdade de viver a sua própria morte, posto que haverá semore alguém que o reconstrói a cada amanhecer, e não o deixa morrer em paz.

Pobres desses dois, os reconstruídos e seus construtores. Ambos são assombrados. Um pela presença imaginária daquele que já nada é. Outro pela insistência patológica e melancólica daquele que não sabe perder, nem prosseguir, e por isso reconstrói muletas das quais não precisa usar, como a bengala que os dândis de antigamente usavam, não por necessidade, mas porque era bonito, era de uso comum um cavalheiro sair com seu chapéu e sua bengala. Mas, efeito colateral, esses que usavam a bengala como apetrecho de moda, acabavam mancando por tanto usá-la daquele lado, colocando o peso ali, o que os entortava aos poucos, tornando o que era fútil, de repente, necessário, essencial.

Assim reconstruímos os que já não nos pertencem, por que os queremos nossos por mais tempo. E por acostumarmo-nos com o seu uso, perdemos o senso da sua realidade. A memória do que foi vai aos poucos sendo substituída pela memória do que poderia ter sido. E depois disso, nem o vivo nem o morto serão os mesmos. Ambos mancos, andarão apoiados um no outro, claudicantes, para sempre (e por vontade própria) aleijados.

Tenho meus fantasmas. Porém evito reconstrui-lhes a história como se sua cronologia fosse acompanhar a minha. Em algum momento da vida a história deles cessou, a minha continua. Cessará também um dia, e como um barbante esticado é subitamente cortado por uma tesoura, assim o tempo nos separa, e interrompe nosso caminhar. 

Meus mortos pertencem a si mesmos. Digo que são meus apenas por vício de linguagem, por escolha semântica, propósito cruel para criar um paradoxo no texto que flui, umas vezes iluminando, outras confundindo. Mas, em suma, esses que se foram já não pertencem a nada nem a ninguém, mas existem de uma forma especial. Sei quem são, que tinham virtudes e vícios. Sinto mágoa de alguns, mas saudades de outros. Porém, quando sinto que podem aparecer na minha frente, para o castigo ou o carinho, trato de mandá-los embora. Recuso-me a reconstruí-los, pois urge-me viver, e tentar recriar o que está morto é procurar morrer junto, os poucos. E talvez este seja um segredo importante: saber chamar os mortos de mortos. Dar-lhes um nome para sua nova e eterna condição é tocar a fria realidade, para depois poder acalentar-se nas boas lembranças, que é o que eles deixam: lembranças, exemplos, ensinamentos, sentimentos. Mas nunca pedem para nascer de novo, tampouco reconstruir-se de cacos de vida que sobraram espalhados aqui e acolá, como se fossem mendigos a nos suplicar migalhas.

Aos meus queridos fantasmas dedico esta crônica, este ensaio. E aos vivos, peço que lembrem-se de permanecerem vivos, construindo vida, porque disso nem mesmo os mortos esquecem:

- Toda assombração sabe muito bem pra quem aparece!

domingo, 14 de julho de 2013

ANGÚSTIA COM FUNDO AZUL BRILHANTE



Sento-me num banco solitário,
Na varanda de pedras do cais.
Nada mais importa, nem mesmo os deuses
Ralhando comigo, prometendo chuvas,
Ventos vorazes, trovões de tenebroso estrondo.

Sobre a minha cabeça a ameaça
De uma colméia de marimbondos.
Pombos são poucos, 
Há muitos gatos e gaviões.
No jardim as folhas concorrem
Em matizes e formas diversas.

Sobre minha cabeça a ameaça
De um dia lindo ao meu redor.
O vento farfalha nas palmeiras, 
Coqueiros, salgueiros e bananeiras.
O azul intenso é a moldura mais perfeita
E por isso mais inquietante.
Sou um fracassado diletante,
Um pobre diabo tão insistente
Que finge sentir doer em si
Uma certa parte 
Já amputada,
Ausente.

Numa goiabeira um casal de micos
Me olha com curiosidade.
Um gambá passou apressado
Pelos fios da rede elétrica.
Um peixe enorme, exibido, 
Saltou bem alto, à toa,
Num malabarismo prateado
para fora da lagoa.

As águas estão transparentes nas bordas 
E os caranguejinhos vermelhos 
Trabalham muito atentos no mangue.
Sua azáfama veloz tinge a lama
Com pontinhos cor de sangue.
Uma garça rosada olha de longe
Fazendo cara de sono,
Equilibrada numa perna só.

Um pescador tira o chapéu ao ver-me ao longe,
E eu aceno de volta, sem convicção.
Já o martim-pescador e o pato colhereiro
Passam sem notar minha presença.
O gato, pueril, brinca com tudo o que lhe interessa.
Formigas pretas são seus soldadinhos de chumbo.

Sobre minha cabeça a ameaça
Dos poemas que ainda vou escrever.
Sentado sob o azul imenso
Observo minha magnífica insignificância
E engano minh'alma feliz, achando graça
Deste jeito de existir sempre à margem
De um sonho impreciso, uma nova infância
Resumida num compasso de mil momentos
Onde condenei-me a viver num paraíso
Tão pleno de prazeres quanto de tormentos.

Tudo o que posso fazer é sentar e escrever
Como faço agora, dedilhando mágoas
Na posição confortável dos falidos
Remediados por qualquer esperança vã.
Espero calado, e a vida passa devagar
Enquanto me consolo sozinho
Com uma caneca de chá
Batizada com mel e uísque.

Estou sem inspiração.
Sem dores reais ou inventadas.
Ignoro qualquer possibilidade de rima
Enquanto for possível assim cantar
E cantar, cantar, cantar, até que o canto
Transforme em pranto o que de tanto sorrir
Pode apenas (resta-lhe ao menos) 
Gozar seu íntimo sofrer.

Sem nada que valha à pena escrever
Atrevo-me a existir, apenas.
Sem nada que valha à pena sofrer
Calo, e meus poemas me devoram.
Eu, coração de papel carcomido
Pela vida veloz e suas tristes traças.
Sobre a minha cabeça a ameaça
Das horas que virão.
Ser poeta é o meu pesar
E minha consolação.