Ask Google Guru:

domingo, 14 de julho de 2013

ANGÚSTIA COM FUNDO AZUL BRILHANTE



Sento-me num banco solitário,
Na varanda de pedras do cais.
Nada mais importa, nem mesmo os deuses
Ralhando comigo, prometendo chuvas,
Ventos vorazes, trovões de tenebroso estrondo.

Sobre a minha cabeça a ameaça
De uma colméia de marimbondos.
Pombos são poucos, 
Há muitos gatos e gaviões.
No jardim as folhas concorrem
Em matizes e formas diversas.

Sobre minha cabeça a ameaça
De um dia lindo ao meu redor.
O vento farfalha nas palmeiras, 
Coqueiros, salgueiros e bananeiras.
O azul intenso é a moldura mais perfeita
E por isso mais inquietante.
Sou um fracassado diletante,
Um pobre diabo tão insistente
Que finge sentir doer em si
Uma certa parte 
Já amputada,
Ausente.

Numa goiabeira um casal de micos
Me olha com curiosidade.
Um gambá passou apressado
Pelos fios da rede elétrica.
Um peixe enorme, exibido, 
Saltou bem alto, à toa,
Num malabarismo prateado
para fora da lagoa.

As águas estão transparentes nas bordas 
E os caranguejinhos vermelhos 
Trabalham muito atentos no mangue.
Sua azáfama veloz tinge a lama
Com pontinhos cor de sangue.
Uma garça rosada olha de longe
Fazendo cara de sono,
Equilibrada numa perna só.

Um pescador tira o chapéu ao ver-me ao longe,
E eu aceno de volta, sem convicção.
Já o martim-pescador e o pato colhereiro
Passam sem notar minha presença.
O gato, pueril, brinca com tudo o que lhe interessa.
Formigas pretas são seus soldadinhos de chumbo.

Sobre minha cabeça a ameaça
Dos poemas que ainda vou escrever.
Sentado sob o azul imenso
Observo minha magnífica insignificância
E engano minh'alma feliz, achando graça
Deste jeito de existir sempre à margem
De um sonho impreciso, uma nova infância
Resumida num compasso de mil momentos
Onde condenei-me a viver num paraíso
Tão pleno de prazeres quanto de tormentos.

Tudo o que posso fazer é sentar e escrever
Como faço agora, dedilhando mágoas
Na posição confortável dos falidos
Remediados por qualquer esperança vã.
Espero calado, e a vida passa devagar
Enquanto me consolo sozinho
Com uma caneca de chá
Batizada com mel e uísque.

Estou sem inspiração.
Sem dores reais ou inventadas.
Ignoro qualquer possibilidade de rima
Enquanto for possível assim cantar
E cantar, cantar, cantar, até que o canto
Transforme em pranto o que de tanto sorrir
Pode apenas (resta-lhe ao menos) 
Gozar seu íntimo sofrer.

Sem nada que valha à pena escrever
Atrevo-me a existir, apenas.
Sem nada que valha à pena sofrer
Calo, e meus poemas me devoram.
Eu, coração de papel carcomido
Pela vida veloz e suas tristes traças.
Sobre a minha cabeça a ameaça
Das horas que virão.
Ser poeta é o meu pesar
E minha consolação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário