O relógio gira os ponteiros sempre no mesmo sentido, e nunca os ponteiros voltam. Quem definiu o sentido disto? E se o sentido é sempre o mesmo, por que será que tudo é sempre diferente, apesar de aparentemente tudo estar cada dia mais igual? Isso é normal? E se não for da forma que nos conformamos a pensar? E se a realidade é o que pensamos, mas o que pensamos for apenas um sonho de alguém que vive nesse pretérito perfeito que ainda virá? O primeiro beijo, a primeira bicicleta, a primeira namorada, o primeiro dia no trabalho, o primeiro encontro com as chegadas e partidas da vida, a primeira vez que soubemos que aquilo seria a nossa primeira vez. As escolhas, ser médico e não jogador de futebol. Usar ternos e sapatos. Evitar a areia, o mar, o sol. Meninos ou meninas? Provocar ou esperar, escolher ou deixar estar? Tudo escorre entre dedos que parecem não ser nossos. A textura viscosa das memórias do que ainda não foi. A pegajosa permanência do que nunca deveria ter sido. E os minutos que nunca chegam, mas estão lá, e serão iguais aos minutos idos. Os ossos se quebram, depois algo os conserta. As pessoas morrem, e algo também faz um conserto, com algum tempo em algum lugar improvável, pois provar não cabe nesse tempo de agora, embora saibamos que outros tempos existem, nesse exato momento, neste mesmo lugar, eu que escrevo não sou o mesmo que se atreve. Atrevo-me? Sim, talvez em outra vida bela, paralela, eu seja um revolucionário, um milionário, um burocrata, um magnata, ou continue sendo apenas este que escreve, e que aos menos a uma coisa se atreve: viver, ser, o que é muito precário, mas é o que sobra do perdulário banco de minutos que trazemos guardado num relicário sem foto, onde guardamos o moto-perpétuo do conta-giros que nos olha. Olha. Observa. E pinça nervos amiúde, com calma, sem ser rude, ao menos sem ser afobado como nós, que miramos as voltas idênticas achando a cada ciclo algum milagre, a mudança bonita da cor do céu, o mel engendrado por abelhas que zumbem poemas nos nossos ouvidos, e o farfalhar de borboletas que, no estômago daquela menina, brincam de fazer rimas, liras, e cólicas diferentes, umas ruins, outras gostosas de lembrar. E de lembrar me enfastio, às vezes. Porque o relógio só tem doze números, mas as horas passam de treze. As vinte e quatro badaladas do prédio grande que chama e comanda. A ciranda, ah, a eterna ciranda. Acho que estou ficando tonto, fico olhando os ponteiros girando, girando, em girândolas e cirandas que se empilham como panquecas, como discos imperfeitos, feitos da farinha cinzenta do tempo. Acho que estou ficando tonto. Parágrafos longos me deixam nervoso. E a vida tem salpicado tantas vírgulas, e de vez em quando me pego forçando um ponto-e-vírgula, e me sinto mais participativo. Até que o destino, esse menino mal educado, traz ao texto um bocado de pontos continuativos. O relógio que inventamos toma conta de nós. O tempo inventado não fala, mas o tic-tac é a voz que mais ouvimos. Deus. O tempo de ter paciência. Deus. O tempo, fazendo reticências...
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