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sábado, 27 de novembro de 2010

AS DELÍCIAS DO NÃO-SABER




Toda multidão é um abismo, 
um convite ao suicídio da privacidade, da calma. 
Mas também é um maremoto, um turbilhão
onde o moto-perpétuo do coração 
olha-se no espelho embaçado da alma. 
Um bafo de vida no vidro, 
e o vapor do amor faz aparecer a escrita oculta: 
alguém passou os dedos na tua pele 
e em segredo riscou um mapa do tesouro. 
O que não se vê é sempre de ouro! 
Porque ver a si mesmo ainda é pouco 
perto da experiência de mirar-se na figura do 'outro'. 
O semelhante, sempre dissonante, 
nosso irmão, seja na cachaça ou seja no pão, 
nem sempre é carne da nossa carne, 
mas carrega uma semente comum no seu cerne, 
em sigilosa angústia ou em barulhenta epifania
todos são iguais em suas secretas vilanias.
E enquanto isso Deus e o diabo jogam xadrez 
pela alma e pelos corpos de todos, vivos ou mortos, 
alinhados como formigas, laboriosas em sua marcha em fila, 
cada uma ciente da sua ignorância, a bela bestialidade 
da qual todo bom filósofo se jubila.
Ah, as delícias do não saber! 
Todo homem não é uma ilha? 
Somente os ignorantes podem versar sobre tudo: 
no tumulto das vozes, sempre vai parecer mais inteligente 
aquele que permanecer mudo!






- Marcelo Sousa, em "O Semeador de Abismos", 2011.

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