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sábado, 19 de março de 2011

AS COISAS MAIS DOLORIDAS





Vim de longe derrubando ânforas de espanto
enquanto meu tempo transformava  o eterno em por enquanto
e ao ouvir meu próprio canto, abafado pela noite lenta e mágica
achei que fosse outro, menos parecido comigo, menos carente de abrigo,
talvez alguém que não parecesse tão velho
ou cujos olhos já cansados de tanto brilhar
não fugissem ao encontro de qualquer espelho.


Vim fugindo da minha sombra
porque depois de certas horas qualquer companhia incomoda
e qualquer fio de esperança é visto como a corda
de uma forca que ao balançar dos ventos me convida
ao último salto, para além do meu próprio tempo,
para o voo mais alto e absurdo, a deliciosa vertigem
de enfim livrar-se de roupas, carnes, ossos... de toda casca
que nos impede de gritar ao mundo: Já chega! Já basta!


Vim até aqui e estaquei diante da folha branca
como quem chega à beira de um abismo 
com a certeza do próximo passo
mas interrompe a marcha diante do sinismo
que trazemos guardado com minúcia e paciência
para usar nessas horinhas tristes e calmas
quando a vida e a morte unidas batem palmas
aguardando terminar o espetáculo da nossa existência.


Tinha ganas de poetar violentamente, de gozar de todos,
de jogar na cara dos meus amores fracassados essa dor imensa,
de perder os bons modos e ditar nomes de santas e putas
pois são todas elas filhas da mesma Eva
que jogou o homem nas trevas usando uma fruta.
Mas seria fácil demais fazer versos de pura mágoa
enquanto o espírito de um Deus sonso flutua sobre as águas
sabendo que a carne é fraca e não deve ser esquecida
nem recusada, nem abolida, nem refutada, 
porque na carne moram as coisas mais gostosas
e só no espírito residem as coisas mais doloridas!

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