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terça-feira, 20 de setembro de 2011

A SEDE



Luz alta, era meio-dia, mas não víamos o Sol. Dia branco demais, quente demais. Carregávamos o peso da nossa existência, e era mais do que podíamos suportar sozinhos. Dei a mão á Julia sem olhar sua figura. Senti o suor entre os dedos magros. Ela era feia mesmo sem se ver. Não precisava olhá-la para saber disso. Mas ainda assim passava por nós uma corrente elétrica, um tremor atávico, algo animalesco mesmo. E caminhávamos, sobretudo. Tínhamos de caminhar! Lembro até hoje daqueles dias brilhantes e miseráveis. Fizemos fogueira e mastigamos a carcaça de um cachorro morto à beira da estrada. Vomitamos maldizendo a vida e olhando para o céu como quem procura um culpado.

Andamos muitas léguas, as roupas fedendo, a cara suja, as palavras escassas, um ou outro grunhido de dor, e mais nada. O mundo não tem fim, ela disse. - Cala a boca, mulher! Anda! Eu já não tinha paciência nem elegância. Estava faminto e com febre, e começava a olhar para aquelas coxas magras como a hiena mira uma gazela machucada. Eu tinha fome. Tinha fomes diversas, todas muito pungentes, todas muito urgentes, todas muito cruéis.

Num poço esquecido nos debruçamos para o de beber. Ela primeiro, ávida, bruta, magricela, os seios pequenos com bicos desafiantes, os cabelos pretos desgrenhados, caindo sobre o rosto. Aquela água derramada sobre o vestido me dava ânsias, ódios. Desperdício. Sede! Tenho sede! Gritei sem ouvir minha própria voz. E peguei-a pela nuca, bebí o último gole diretamente daquela boca triste. O beijo. E as mãos correndo, rasgando roupas. O sexo. Ela muito querendo, dizendo não. Eu muito negando, dizendo sim. Vem! E ela vinha, dava-se. Cavalgamos sem sair do lugar, e foram muitas léguas assim. Cansamos. Entregamos o corpo ao solo. Ela disse que tinha sede. Pediu gozo, que dei-lhe na boca com minúcia. Morremos ali, saciados, e nossa alma seguiu adiante.

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