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segunda-feira, 22 de junho de 2015

GUERRA E PAZ






Corpo,
meu querido fardo,
tens sido infiel companheiro
já faz mais mais de trinta anos
e ainda não nos entendemos.

Tuas curvas me iludem,
teus maciços vão se esfarelando no vão das horas
como as cordilheiras que se desfazem em pó
ao sabor do vento de qualquer monção.

Sei que erramos o caminho
mas só por isso encontramos contento
pedindo paz, pedindo guerra,
pedindo nuvem, pedindo terra.

Corpo
amado amigo e carrasco
tens o peso exato das minhas vontades
e a leveza paquidérmica de todas verdades.

Não me deixes ainda,
pois estou ereto, tranquilamente alerta,
provando, tateando partes recém-descobertas
do meu tu-espelho, do nosso eu-poeta.

Teus sinuosos engenhos
jamais foram menos pungentes que o restante
de vida que me sobra em cada sonho não sonhado:
és ao mesmo tempo porto e navio naufragado.

Corpo, que de outros corpos fartou-se,
perdeu-se na doce ausência de quem está mas não é.
Entre orvalho e trovão, sei que és chuva:
corre deitado e cai de pé.

No turbilhão da vida
seu tempo medido em ânforas de carbono animal
desenhou destinos variados, desdenhou recados
dados por deuses tolos e demônios sem pecado.

Logo chegaremos numa esquina qualquer
onde quiçá a morte, ou quem sabe outra sorte
nos colocará na gostosa presença da extinção
disfarçada num beijo de mulher, ou coisa que o valha,
pois o corpo só descansa na batalha.

Assim, no fim de tudo
saberei recomeçar, (?) aceitar o divino convite
para não ser mais corpo, (?) como faz a cigarra
que explode em mil cores (casulo-corpo-segredo)
para a incerta renovação do eu, mas não do ego?

Difícil saber, pois o saber pertence
à mente, não à alma, muito menos ao corpo.
A ele cabe apenas o sentido imediato de se crer vivo ou morto.
Enfim, a ele - o corpo - cabe ser, ao mesmo tempo,
refúgio e degredo.

No corpo (nosso, ou do outro)
jazem todas as nossas certezas,
e fatalmente os nossos medos.

Todo corpo é uma guerra
e é somente nela que podemos
ter sossego.

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