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domingo, 30 de outubro de 2011

EPOPÉIA



Vem! Desce do teu esconderijo nas alturas
e vem ver como é lindo aquele que não tem face
e procura com mão forte e sem carinho
alguém que lhe faça um ninho, que o abrace.
Vem! Desce do teu esconderijo de nuvens
e vem ver aquele que faz sombra na terra
apagando a chama do sol com seu polegar
e bebe rios inteiros em um gole só
e sopra vulcões fazendo bochecha de fole
apagando-os como quem faz aniversário.
Vem! Desce do teu trono assentado no infinito
e vem ver como é bonito o nosso gigante
que cata estrelas aos punhados e as engole
pensando que são confeitos de açúcar
e pisa a terra deixando pegadas fundas como abismos
e quando dança estremece as montanhas
provocando os mais violentos cataclismos.
Vem! Desce do teu esconderijo nas alturas
e vem ver como é lindo aquele que te procura
querendo saber quem foi que inventou os deuses
e teceu tantas histórias de heróis para enganar as crianças
esquecendo ele mesmo de deixar de ser criança.
Vem, desce logo antes que tu estejas muito velho
para poder reconhecer o nosso gigante desengonçado
que faz bolinhas de barro e joga para o alto criando planetas
e que te espera com calma, para que enfim te olhes nos olhos de espelho
e lembre como é bela e estranha essa criatura que te procura
só para te perguntar, humilde, como é ser poeta!

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

MEU CÁLICE TRANSBORDA



Saudade, fazes-me sentir tão pequeno
que o néctar que gentilmente traz-me para beber
não tenho idéia se é a cura ou é um veneno.


Bebo febril um cálice de agridoces lembranças
e só mesmo um ébrio para ver claramente
que o último a morrer é o amor, não a esperança!

domingo, 23 de outubro de 2011

A FLAUTA DE PAN



Eis que do aço e do concreto
pode brotar uma semente de nuvem, de éter,
que por um milagre oculto, discreto, seja
o nascimento de algo terrível e lindo
que vira carne, e em seu cerne te beija
e te segura pela crina e te cavalga
e te chama pelo teu nome secreto
aquele que só tua alma conhece
aquele que aparece quando você geme
no mais safado prazer ou na mais dolorosa prece
e que funciona como os axiomas
como os ditames da Filosofia
como a flauta de Pan
que com ou sem rima
do fundo do abismo onde habita
chega, te toca, esfrega na tua cara
as mais raras verdades e as mais puras putarias
a música mais esquisita, as mais dissonantes notas
e as mais doces iguarias que a tua língua e teus ouvidos
poderiam ouvir. Pobre e afortunada alma:
um poeta tocou em ti!

sábado, 22 de outubro de 2011

MAGRITTE, RIMBAUD





As baforadas esbaforidas das estrelas
bufando a cantilena fria e torpe da lua
que se esvaziava por entre os prédios 
deixando apenas o tédio das entre-horas
que pintam os céus de apocalipses falsos
espantavam os bêbados e os trêbados
porque seu baile de luzes abafadas e belas
pareciam um código Morse contando segredos
que ninguém quer ouvir, ninguém pode contar
e por isso como soldados convocados pelo sol
marchamos perfilados rumo ao terrível destino
de meninos obrigados a acordar!

EU QUERO É SANGRAR





Não sou santo, nem banto, nem canto em latim o pranto gregoriano nem o ponto yorubá! Tenho em mim um pouco de Abel, um pouco de Caim, um pouco de pedra, um pouco de cetim, um pouco de tristeza, outro tanto de alegria. Não me interessam as etnias. Também não vou gastar um dia inteiro para explicar meu sangue ateu, meu sangue de Príamo, de Perseu, de Hades, de Prometeu, de Perséfone, meu sangue de Áfricas, Ásias e Europas... sangue que brota como lava quente para transformar-se num braseiro que é este sangue brasileiro!


Não sou discípulo de deuses, de entidades, de fórmulas sub-atômicas, de pedras vulcânicas, de bruxas esdrúxulas, de damas que moram no mar, de malandros que habitam as esquinas, de pastores de ovelhas negras, de magos que enganam a gente com suas cantigas de sedutoras rimas.


Não sou bem educado, não ouvi os doutores falando merdas solenes para uma platéia de idiotas, apenas desfruto a farsa de ser poeta, palhaço e puto, e se eu pedir para chupar sua fruta em mais de cinco idiomas: nunca se sabe quando será preciso dizer em bom francês que tudo o que quero é que alguém me coma! Ou saber distinguir quando uma húngara está falando de filosofia, da Escola de Frankfurt, ou tecendo comentários sobre Zaratustra com suas idéias de um 'super-homem' ou simplesmente me olhando nos olhos e dizendo 'cala a boca e me come!'


Não sou poeta de cantar as efêmeras epifanias, nem de usar as rimas burocráticas feitas para agradar as gordas senhoras que freqüentam um sarau qualquer. Não vou usar minhas rimas ricas com qualquer mulher. Não vou poetar em vão! Não! Meus versos são pra ser ditos baixinho, de preferência entre as coxas de uma bela mulher, como quem come um manjar com calma: de prata pura e reluzente é a minha colher.


Não vou fazer concessões a ninguém que se ache dono da poesia. Barqueiro exigindo moedas para que passemos ao outro lado. De mim não receberás nem alguns trocados! Escrevo para aplacar a fome de um demiurgo particular, minha baleia branca, o meu leviatã!


Acordei muito cedo essa manhã pra poetar sozinho, só eu, minha alma escura e uma taça de vinho... e sozinho ficaria tecendo carinhos solitários e cantando odes ao meu juízo precário se possível fosse, mas o gozo das almas solitárias nem sempre é tão doce! Por isso, quando o desejo de poetar não me sai da idéia, e saio à noite com cara de santo, e subo ao palco como quem chega de fininho, e já cansado de poetar sozinho coloco pra fora meu negro e ereto dom de poeta, abelha operária das letras, guardião desta colméia: vim de longe, sangrar e gozar na cara da platéia!

O ABRAÇO DE UM FANTASMA DE PELE MORNA







Eu ocupo apenas e tão somente o espaço de um abraço
que precisa sempre ter a urgência deste minuto, deste tempo chamado de 'agora'
porque se você pensar duas vezes, pode ser que meu corpo exíguo ainda esteja ali
mas certamente o abraço, meu amigo, já foi-se embora!

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

CANTO AOS FODIDOS



Estou bêbado de promessas vãs
por que até hoje nenhuma Eva mostrou-me a maçã
tampouco houve Adão com atitude canalha ou bela
que me oferecesse sua carne, quiçá uma costela!


Estou bêbado de namashtês, de axés e de salamaleques
porque aos meus pés todos os deuses são meninos, são moleques
que jogam bola de gude no tapete estrelado do infinito
enquanto eu envelheço sem saber se fico mais feio ou mais bonito.
Estou bêbado da baba cósmica que escorre da boca dos crentes
que me despejam pelos ouvidos os seus lânguidos gemidos
como se todo culto fosse uma celebração às bacantes!


Estou bêbado do leite cáustico das pias madres
e porque estou bêbado posso chorar meu canto desvalido
que não serve à deus nenhum, porque meu canto não encherá os odres
dos altares que esperam igualmente de inocentes e bandidos
o seu santo ouro, sua santa prata, sem deixar para trás os seus bons cobres!


Estou bêbado, e canto, e não me causa espanto 
se quem me ouve agora, finge não me ver, e vira a cara
e bebe seu copo de cólera como se sorvesse coisa rara
a você eu dedico meus bêbados versos doloridos
e gozo sabendo que meu poema te fode pelos ouvidos!

domingo, 9 de outubro de 2011

A FRUTA




Se no meio da noite eu acordar com olhos famintos e te chamar de puta
saiba que é porque não conheço nome melhor para tão deliciosa fruta!

#haikai