Não sou santo, nem banto, nem canto em latim o pranto gregoriano nem o ponto yorubá! Tenho em mim um pouco de Abel, um pouco de Caim, um pouco de pedra, um pouco de cetim, um pouco de tristeza, outro tanto de alegria. Não me interessam as etnias. Também não vou gastar um dia inteiro para explicar meu sangue ateu, meu sangue de Príamo, de Perseu, de Hades, de Prometeu, de Perséfone, meu sangue de Áfricas, Ásias e Europas... sangue que brota como lava quente para transformar-se num braseiro que é este sangue brasileiro!
Não sou discípulo de deuses, de entidades, de fórmulas sub-atômicas, de pedras vulcânicas, de bruxas esdrúxulas, de damas que moram no mar, de malandros que habitam as esquinas, de pastores de ovelhas negras, de magos que enganam a gente com suas cantigas de sedutoras rimas.
Não sou bem educado, não ouvi os doutores falando merdas solenes para uma platéia de idiotas, apenas desfruto a farsa de ser poeta, palhaço e puto, e se eu pedir para chupar sua fruta em mais de cinco idiomas: nunca se sabe quando será preciso dizer em bom francês que tudo o que quero é que alguém me coma! Ou saber distinguir quando uma húngara está falando de filosofia, da Escola de Frankfurt, ou tecendo comentários sobre Zaratustra com suas idéias de um 'super-homem' ou simplesmente me olhando nos olhos e dizendo 'cala a boca e me come!'
Não sou poeta de cantar as efêmeras epifanias, nem de usar as rimas burocráticas feitas para agradar as gordas senhoras que freqüentam um sarau qualquer. Não vou usar minhas rimas ricas com qualquer mulher. Não vou poetar em vão! Não! Meus versos são pra ser ditos baixinho, de preferência entre as coxas de uma bela mulher, como quem come um manjar com calma: de prata pura e reluzente é a minha colher.
Não vou fazer concessões a ninguém que se ache dono da poesia. Barqueiro exigindo moedas para que passemos ao outro lado. De mim não receberás nem alguns trocados! Escrevo para aplacar a fome de um demiurgo particular, minha baleia branca, o meu leviatã!
Acordei muito cedo essa manhã pra poetar sozinho, só eu, minha alma escura e uma taça de vinho... e sozinho ficaria tecendo carinhos solitários e cantando odes ao meu juízo precário se possível fosse, mas o gozo das almas solitárias nem sempre é tão doce! Por isso, quando o desejo de poetar não me sai da idéia, e saio à noite com cara de santo, e subo ao palco como quem chega de fininho, e já cansado de poetar sozinho coloco pra fora meu negro e ereto dom de poeta, abelha operária das letras, guardião desta colméia: vim de longe, sangrar e gozar na cara da platéia!
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