Ask Google Guru:

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

UM VILÃO



Já amei demais, já sorrí demais, já saltei sobre montanhas

mas hoje tenho pés cansados, e um coração que não sonha.


Mas ainda sei rimar, e dizer coisas bonitas e fáceis

para as raposinhas que me cercam, rapineiras tão dóceis.


Sei dizer “tu és linda” para outras meninas neste mundo virtual

esperando provocar este seu coração feito de água e sal.


Não faço mais poemas para chorar as mágoas.

Meus amores, meus amigos, meus inimigos, são passadas águas.


Te vejo por aí, muito bela, mas pouco humana.

E outras meninas continuam indo e vindo, borboletas insanas.


Tenho pequenas alegrias, compradas a preço de ouro.

Não quero mais ser bom. Não desejo receber seus tristes louros.


Caminho sorrindo na multidão.

Sou mentiroso, sou vilão.


Poesia e diazepan sustentam minha sanidade.

E o que parece dor, às vezes é pura vaidade.


No domingo ouço mentiras gostosas na igreja, e meu peito em chamas arde.

Deus joga xadrez comigo todos os dias, e algumas vezes Ele perde!


A MUSA DO MEU FADO




A musa do meu triste fado
nunca teve a culpa completa.
Nunca fui de fato seu namorado
mas hoje sou seu poeta.
Em todas as meninas na rua vejo tua face
e me escondo, ou a persigo, ou apenas choro sozinho.
Se de todo sofrimento um anjo em sonhos me contasse
mesmo assim eu escolheria cruzar o teu caminho.
Oh musa do meu fado
sempre tão educada e gentil…
nas tuas mãos sou gado marcado
sou lobo vestido de ovelha no covil.
Maldita foi minha sorte
na hora mais feliz da minha vida.
Desejei ser o príncipe consorte
mas fui apenas uma criança aborrecida.
Tantas vezes já te disse adeus
e de longas despedidas tecí meus poemas…
desculpe, mas é que lembrar dos olhos teus
faz-me amar essas dores maiores por lembranças tão pequenas.
Se hoje te atormento
é com sinceridade que mil vezes te peço desculpas.
Compartilho com Adão os mesmos lamentos
após ter provado de Eva a deliciosa fruta.

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O SORRISO DO VÔ VICENTE




Vô Vicente morreu num domingo
sentado na cadeira de balanço
olhando brincar ao longe na campina
suas netinhas, belíssimas meninas.

Vô Vicente morreu dormindo
dizem até que estava sonhando.
Colocaram-lhe o terno branco
como manda a tradição.
A algibeira, a bíblia velha e o facão
foram juntos com o corpo no caixão.

Vô Vicente morreu sonhando
olhando de olhos fechados
aquelas terras beijadas de orvalho
e aqueles campos abençoados
por anos do mais duro trabalho.

Vô Vicente morreu num domingo
ereto como um coronel na cadeira de balanço
e com mão firme pra não deixar cair a xícara de café
porque era homem cristão, sério e forte
e não se deixaria envergonhar pelos truques da morte.

Vô Vicente morreu dormindo.
Vestiram-lhe o terno branco
como era de costume naquelas terras
vestir o morto com roupa de ir á missa
e pendurar-lhe no peito medalhinhas de santos
e medalhões de guerra.

Vô Vicente morreu segurando
a caneca de café quentinho e amargo.
Os homens da casa o banharam e vestiram
como era devido ao seu cargo.
Rasparam-lhe a barba centenária
para melhor apresentar a figura mortuária.

Vô Vicente morreu num domingo
e a família grande veio da capital
já engolindo soluços e lágrimas de sal.
Vinham carpindo o morto sem nem tê-lo visto
(cantavam o Birim-Birim como previsto)
prontas para bater seus bens em revista.

Mas ao ver o velho ali deitado
o povo todo se calou consternado.
Depois de banhado, barbeado e arrumado
puderam ver que com a cara limpa
sob as saudações de tiros e sinos
Vô Vicente estava era sorrindo
e tinha o sorriso bonito de um menino.



segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O FOGO OLÍMPICO






Empenhados numa procura infinita
pelo centímetro certo da carne mais aflita
os amantes esquecem o ar que lhes falta
quando os lençóis num festim de ribalta
tramam um espetáculo de sons sustenidos
por arpejos feitos de etéreas sílabas tônicas
e quiméricas delícias agônicas.
Neste concerto de gemidos sinfônicos
ouvem-se sons como os de um violino agônico
compassado pelos movimentos subterrâneos de um magma
que pesseia por caminhos tortos - nossas veias -
irrompendo odores e sabores subcutâneos
que não cabem em poemas feitos em qualquer língua
pois o fogo daquele momento, se descrito em palavras
perde a força, e inevitavelmente se apaga
porque o que só o corpo entende
o intelecto quando apreende
deixa morrer à míngua!


LA DERNIÉRE MINUTE





"La Derniére Minute"

No meio de um sonho contado em Francês
Carla Bruni cantava "La Derniére Minute" pra mim.
Neste ponto, sem pudor, confesso a vocês:
não sei como o sonho terminou porque gozei antes do fim!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

TEZ


Ando a tatear os fatos
e o eco dos meus dedos
em segredo no oco da noite
reverbera o verbo açodado do açoite
dessas palavras não ditas
mas sempre aflitas
malditas
como fetos
que ficaram
só na vontade
na palavra ereta
mas imperfeita, incompleta
porque certos poetas
ao chegar aos pés da sua musa
não lhes defloram
não rasgam-lhes a blusa:
com uma idéia na cabeça
e na mão uma flor roxa
não consumam o ato
porque de fato sua prosa
erra o alvo
e goza na coxa.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O SEMEADOR DE ABISMOS





Sentei-me à beira de cordilheiras imaginárias
procurando coragem para um voo desesperadamente resignado.
Sentei-me e chorei um choro miúdo e precário
como quem sabe-se ser um vilão e não um coitado.

Mas lembrei-me de tantos outros poços sem fundo que construí
jogando pétalas de saudade até que eles transbordassem sob meus pés.
As horas de apaixonada cólera que vivi
como as estátuas de bronze sozinhas nas madrugadas geladas e sombrias.

Perdi a capacidade de mostrar meu choro,
e mesmo meu silêncio e minha rima, que antes eram de ouro,
hoje são metais corrompidos por um sentimento de banalidade
e pelo manuseio descuidado de mãos sem paixão: só a impura vontade!

Já não entendo minhas ereções tardias, nem olho os seios das musas
sob seus vestidos de transparências tão propícias...
Aos poucos perco o delicioso e infantil vício de desvendar o recheio de suas blusas.
Já não olho pernas, olhos, pulsos, pescoços, coxas...
e toda mulher que se insinua me parece a morte a cortejar-me com uma flor roxa!

Abri com uma faca enferrujada um sorriso de sangue no meu peito
e de cada gargalhada escarlate pinga fogo na terra,
abrindo nela um leito tão profundo
que parece escavado pelo próprio arquiteto do mundo.

Pelos caminhos onde passo deixando meu rastro de amor e cinismo
aos poucos vou-me esgotando, e quem vem atrás não suspeita de nada:
cada gota do meu sangue ainda apaixonado, é derramado como poderoso magma
que jamais semeia rosas mentirosas, preferindo os mais sinceros abismos.


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