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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Beirute, 2007





Certamente a cidade de Beirute era uma das minhas preferidas nos meses de abril e maio. O perfume do mar penteando as palmeiras é algo a ser lembrado para sempre, assim como a voz miúda e rouca das mulheres que conversam e sorriem umas para as outras do lado de fora do Zonta Club nas noites de sexta-feira, algumas fumando Marlboro e tomando Veuve Clicquot escondido em copos de vidro opaco, quase sempre colorido. Não posso dizer que algum dia estive lá, nem que não estive. Não digo que foram bons todos aqueles dias, nem que foram ruins, nem que houve carinhos, ou que deixei um único tiro pousar como um besouro de metal negro entre as sobrancelhas mais-que-negras d´um pobre coitado não-tão-pobre e nem-tão-coitado assim. Mas posso te dar a certeza de que ali pela Rua do Mercado 67 há um café chamado Flor-de-Lis, onde há apenas uma garçonete com cara de debutante (que escondia com um band-aid um cavalo-marinho tatuado no pescoço do lado esquerdo perto da orelha, e tinha os seios mais perfeitos que já imaginei sob uma profusão de camisas e aventais) que falava francês sem sotaque e desdenhava de quem lhe dirigisse a palavra em qualquer outro idioma - o seu próprio, inclusive - e o dono já muito velho operando o caixa - mas sem jamais errar no troco em favor do cliente - e que debaixo da mesinha (que um dia foi amarelo-mostarda) do canto esquerdo há uma chave de cobre com laço de fita azul e uma folha de bloco pautado, presa com fita forte (que é como chamam por lá o equivalente da nossa fita durex) com um poema, em língua estranha, dizem que em português. É preciso entrar, pedir um café ou uma coca-cola, que é o que se pode pedir por lá, fora a torta de banana com gengibre e canela ou, no almoço, os miúdos de carneiro com arroz branco no leite de coco, pra se comer sem talher, fazendo montinhos com as pontas dos dedos, regando com azeite ou molho de pimenta e cominho, abanando moscas platinadas que vez em quando dão o ar da graça entre a poeira verde-gris e a cantilena indecifrável - mas doce, quase uma cantiga de ninar em pleno dia - que entra pelas janelas. Não posso dizer que algum dia estive lá, nem que não estive, e é justamente por isso que acho aquele poema tão bom.

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