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terça-feira, 1 de dezembro de 2015

COROLAS




Na corola da manhã 
o azul ultramarino de ontem
escorre líquido por entre as montanhas.

Há paz e medo na íris embaçada
que vê outros olhares
alhures.

Dísticos se desencaixam 
com sôfrega beleza: os ritmos não rimam, 
os poemas são pomares de frutos roxos

que não justificam nem perdoam
o açúcar desperdiçado pelos sonhos
dos infantes.

Prossigo 
encarando minha finitude
como quem espera uma ave matutina

que vem de longe 
trinando seu canto de cristal quebrado, e pousa 
sóbria, antes do enquadramento perfeito da foto.

Minha palmeira invencível 
dorme, mas está atenta. Em seu sono os ventos 
passam alisando-lhe os cabelos que a noite pintou

com as mais bonitas chagas e broquéis
como quem salpica estrelas de fogo-fátuo
num céu nublado.

É preciso arar 
entre os versos que vigoram
para compreender que não há beleza neles

e ainda assim encher os olhos 
de águas claras, lavando o azulejo colorido 
das almas restantes desses delírios mais-que-perfeitos.

Não entender é essencial nessa hora.
Só com as mãos de quem ignora é possível reter
a paz que vigia de dentro desse turbilhão, e dormir

o sono dos bobos, 
com a firmeza rubra dos inconstantes.
Divago, cansado de estar certo em vão.

Errar por certos lugares 
tornou-se o pão de cada dia.
Há algo ameaçadoramente bom no horizonte, 

convém, por isso, quebrar as pernas 
de qualquer ave branca, e com isso fazer com que voe 
sem pouso e sem uso para o chão, faça tensa a pena leve,

e breve a cena imensa, 
desfazendo a aliança frágil e triste
entre o que é e o que deveria ser.

É possível 
que o tempo faça sentido
desfazendo meu corpo de areia 

como faz o vento soprando 
as dunas para onde não se pode vê-las,
grão a grão, para dentro do oceano.

Repito, é preciso quebrar as pernas
de qualquer esperança, qualquer pássaro alvo,
qualquer bicho alado que voe sobre nossa cabeça.

Sem chão, hão de voar melhor.
Como Ícaro entre os escombros, a memória
do voo será feliz como a memória do tombo.

Então, que as aves não pousem jamais, 
nem usem o horizonte como faz o poeta, 
que ara horas acesas enquanto sonha:

na corola da manhã 
o azul ultramarino de ontem
escorre líquido por entre as montanhas.

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