Na corola da manhã
o azul ultramarino de ontem
escorre líquido por entre as montanhas.
Há paz e medo na íris embaçada
que vê outros olhares
alhures.
Dísticos se desencaixam
com sôfrega beleza: os ritmos não rimam,
os poemas são pomares de frutos roxos
que não justificam nem perdoam
o açúcar desperdiçado pelos sonhos
dos infantes.
Prossigo
encarando minha finitude
como quem espera uma ave matutina
que vem de longe
trinando seu canto de cristal quebrado, e pousa
sóbria, antes do enquadramento perfeito da foto.
Minha palmeira invencível
dorme, mas está atenta. Em seu sono os ventos
passam alisando-lhe os cabelos que a noite pintou
com as mais bonitas chagas e broquéis
como quem salpica estrelas de fogo-fátuo
num céu nublado.
É preciso arar
entre os versos que vigoram
para compreender que não há beleza neles
e ainda assim encher os olhos
de águas claras, lavando o azulejo colorido
das almas restantes desses delírios mais-que-perfeitos.
Não entender é essencial nessa hora.
Só com as mãos de quem ignora é possível reter
a paz que vigia de dentro desse turbilhão, e dormir
o sono dos bobos,
com a firmeza rubra dos inconstantes.
Divago, cansado de estar certo em vão.
Errar por certos lugares
tornou-se o pão de cada dia.
Há algo ameaçadoramente bom no horizonte,
convém, por isso, quebrar as pernas
de qualquer ave branca, e com isso fazer com que voe
sem pouso e sem uso para o chão, faça tensa a pena leve,
e breve a cena imensa,
desfazendo a aliança frágil e triste
entre o que é e o que deveria ser.
É possível
que o tempo faça sentido
desfazendo meu corpo de areia
como faz o vento soprando
as dunas para onde não se pode vê-las,
grão a grão, para dentro do oceano.
Repito, é preciso quebrar as pernas
de qualquer esperança, qualquer pássaro alvo,
qualquer bicho alado que voe sobre nossa cabeça.
Sem chão, hão de voar melhor.
Como Ícaro entre os escombros, a memória
do voo será feliz como a memória do tombo.
Então, que as aves não pousem jamais,
nem usem o horizonte como faz o poeta,
que ara horas acesas enquanto sonha:
na corola da manhã
o azul ultramarino de ontem
escorre líquido por entre as montanhas.
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