Observo pássaros invisíveis
afogados na prata líquida dos teus olhos.
Desço ao fundo de mim e espero
que chova punhais sobre nós.
Fluo
como um rio subterrâneo.
Os sedimentos
brilham dentro da ampulheta.
Poeta algum
poderia pensar versos mais tristes
que estes que não escrevo
agora que aprendi um riso
protocolar, bonito
como um contrato assinado,
moeda falsa cunhada
em ouro verdadeiro.
Há um cansaço imenso
em tudo o que não é rotina:
uma neblina
espêssa cobre os cantos
da tela. A dicção dos pássaros
imita sinos quebrados, enterrados
em florestas de vidro,
véus de pedra, orgias, missas,
lembranças, engenhos de sonho,
mágoa, cal, fel, bile, húmus, a baba fina
dos santos de barro
e dos anjos no espelho.
Ao meio-dia a lua ainda
está no céu, carimbo de breu
no firmamento.
Esses dias
que já nascem podres
ainda podem ser fantásticos.
Ânforas e odres
estarão quase cheios,
já estando quase vazios.
Ainda há tempo.
Manhãs vão se despetalando
numa ciranda que não cessa:
são rosas cancerosas, sujando
as horas com sua maravilhosa
e terrível sentença.
Teço uma prece
com a pressa pacífica
de quem sangra.
É tempo
de fruta madura
e eu estou em flor.
Senhor,
a ti eu rogo:
colha-me logo.
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