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terça-feira, 14 de abril de 2015

PREGÃO





Não vou cantar aos meus irmãos
porque já amanheceu nos trópicos sujos e dourados
e nos planaltos boreais chove estrelas de sal na noite branca.

Não vou cantar aos meus irmãos
porque há operários humanos engendrando o dia
enquanto a alma barulhenta das máquinas descansa.

Não vou cantar aos meus irmãos
porque minhas musas perderam a cor, a doçura,
e o canto das sereias já não é novidade: pregão de putas tristes.

Não vou cantar aos meus irmãos
porque é preciso cavar trincheiras, erguer muros,
e temer com fé e força um inimigo que não existe.

Não vou cantar aos meus irmãos
porque perdi muito tempo ganhando a vida
enquanto as flores erguiam catedrais de poesia, em vão.

Não vou cantar aos meus irmãos
porque há sementes de metal espalhadas nos pomares
onde festejamos porque hoje sobra o vinho, amanhã faltará o pão.

Não vou cantar aos meus irmãos
porque hoje não vi o mar imenso ronronar ao sol
espraiando seu dorso azul que o horizonte devagar acaricia.

Não vou cantar aos meus irmãos
porque é preciso estar alerta, esperto, maneiro, malandro,
e de vez em quando lembrar que a vida liberta, mas o viver policia.

Não vou cantar aos meus irmãos
porque em todos os espelhos há estranhos mirando
os olhos negros que serviam de leito e abismo para os meus.

Não vou cantar aos meus irmãos
porque nas assembleias dos grandes poetas
já não se encontram amantes, nem amados, só comerciantes, 
[valha-me deus!

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