Cada minuto dourado
dura apenas o necessário,
então preteja, latejando sob
nossa pele. Devoro a hora boa
com esses olhos de mirar à toa.
Viver é prestar atenção, muita
atenção, a tudo o que for
colocado ao lado
de cada detalhe.
O entalhe
do morro onde
as nuvens se escondem.
O coqueiro torto que à direita
prepara suas ogivas esverdeadas
e suculentas. As lâminas que pendem
dos caules; prata, alumínio, chumbo
no céu da tarde, pardais, e mais,
todos iguais, pedindo haikais
aos monges, longe, onde
léguas imaginadas
nos separam.
Um gesto
que lança os dados
errados, uma curva que nos perde,
o pingo de malvasia, o vidro moído
entre os dentes, a resposta dada,
a chuvinha que arde, a espuma
de um cansaço que escorre
dos poros, o verso de ouro
que a gente pensa, pensa,
corre, procura o papel,
acha caneta, mas
perde a letra.
Não dei sorte, venci.
Houvesse perdido, sido
mais um, seria mais feliz?
Escapo.
Por um triz não fui.
O musgo cresce feliz
entre os hábitos da gente.
A hera, viçosa,
faz parecer alegria
o que era apenas
descuido.
Tudo é bom,
e é preciso esquecer-se disso
a cada dia, e recomeçar, escorregar,
cair, levantar, sorrir, fingir,
e chorar como quem
aplaude.
Todo santo dia
uma flecha envenenada
me acerta o peito, e eu
sorrio, ensaio um salamaleque,
e malandro, moleque, sigo em frente
dizendo que não doeu.
Repare, é tudo verdade,
mas nem tudo aconteceu.