Ask Google Guru:

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

RECORTE

Cada minuto dourado
dura apenas o necessário,
então preteja, latejando sob
nossa pele. Devoro a hora boa
com esses olhos de mirar à toa.
Viver é prestar atenção, muita
atenção, a tudo o que for
colocado ao lado
de cada detalhe.

O entalhe
do morro onde 
as nuvens se escondem.
O coqueiro torto que à direita
prepara suas ogivas esverdeadas
e suculentas. As lâminas que pendem
dos caules; prata, alumínio, chumbo
no céu da tarde, pardais, e mais,
todos iguais, pedindo haikais
aos monges, longe, onde
léguas imaginadas
nos separam.

Um gesto
que lança os dados
errados, uma curva que nos perde,
o pingo de malvasia, o vidro moído
entre os dentes, a resposta dada,
a chuvinha que arde, a espuma
de um cansaço que escorre
dos poros, o verso de ouro
que a gente pensa, pensa,
corre, procura o papel,
acha caneta, mas
perde a letra.

Não dei sorte, venci.
Houvesse perdido, sido
mais um, seria mais feliz?

Escapo.
Por um triz não fui.

O musgo cresce feliz
entre os hábitos da gente.

A hera, viçosa, 
faz parecer alegria 
o que era apenas 
descuido.

Tudo é bom, 
e é preciso esquecer-se disso
a cada dia, e recomeçar, escorregar,
cair, levantar, sorrir, fingir, 
e chorar como quem 
aplaude.

Todo santo dia
uma flecha envenenada 
me acerta o peito, e eu
sorrio, ensaio um salamaleque,
e malandro, moleque, sigo em frente
dizendo que não doeu.

Repare, é tudo verdade, 
mas nem tudo aconteceu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário