percebo um tremor na arquitetura do teu corpo:
entre pele e pêlos passeia uma vontade indomável
que poreja em perfumes traficados por suas veias.
O açúcar da paciência se deposita devagar
no canto de cada hora descoberta pelo seu tato.
Teus olhos ladrilhados de espanto vertem o âmbar
que inaugura no horizonte a ópera do crepúsculo.
Teus seios, como ogivas de um róseo marfim,
desafiam a tessitura dos olhares alheios.
Coxas tectônicas se abalam sob o vestido de chita
criando a sinuosa verdade que assombra os moços
e os velhos.]
Os fracassos celebrados à flor da tua pele
são revogados em ata no teatro da memória.
Nada escapa de tuas mãos de neblina
ainda assim, libertas pássaros de perdão
no tumulto das horas.]
Se fosses bonita, haveríamos de cantar teu nome
à beira do cais, quando as naus partissem para guerrear
e os heróis, embriagados, lançassem seus corpos ao vento
traçando um risco prateado no ar, como estrelas cadentes
numa louca revoada por cima dos penhascos.]
Mas és como a torre branca onde o atalaia canta
o pregão lamentoso que acorda as cidades no oriente.
Os teus cabelos são labaredas fugidias que se levantam
na rubra sanha de um sonho interrompido, mas recorrente.
Haverão poetas traficando a tua sombra nos parques
e nos becos da imaginação dos meninos a tua silhueta
será pedra de toque, templo desfigurado por fiéis e ímpios
que te recebem como nova Babel, Constantinopla, Sodoma,
quem sabe uma Atlântida, talvez um novo Olimpo.
Mas tu, cidade partida, pouco sabes
dos cataclismas inspirados pela tua lenda.
A Via Láctea é o teu umbigo, e as constelações
mero adorno, contas miúdas que perolam teu colo
de assassina que tem a culpa, mas não o dolo.]
Distante do alcance da voz dos poetas
moram as palavras mais nobres, mais belas.
Nessas terras os menestréis são pássaros de rapina
à procura da mínima brisa que lhes dê sentido à rima.
Cidadela minha, onde habito sem morar,
peço-te apenas que me deixe pisar teu chão.
Há escombros por toda parte, mas a sorte deu-me um lar
onde a pedra que trago no peito queima voraz noite adentro
recusando ser diamante, preferindo ser carvão.]
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