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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

PEDRA-DE-FOGO





Na foz de uma alvorada intranquila

percebo um tremor na arquitetura do teu corpo:

entre pele e pêlos passeia uma vontade indomável

que poreja em perfumes traficados por suas veias.


O açúcar da paciência se deposita devagar

no canto de cada hora descoberta pelo seu tato.

Teus olhos ladrilhados de espanto vertem o âmbar

que inaugura no horizonte a ópera do crepúsculo.


Teus seios, como ogivas de um róseo marfim,

desafiam a tessitura dos olhares alheios.

Coxas tectônicas se abalam sob o vestido de chita

criando a sinuosa verdade que assombra os moços

e os velhos.]


Os fracassos celebrados à flor da tua pele

são revogados em ata no teatro da memória.

Nada escapa de tuas mãos de neblina

ainda assim, libertas pássaros de perdão

no tumulto das horas.]


Se fosses bonita, haveríamos de cantar teu nome

à beira do cais, quando as naus partissem para guerrear

e os heróis, embriagados, lançassem seus corpos ao vento

traçando um risco prateado no ar, como estrelas cadentes

numa louca revoada por cima dos penhascos.]


Mas és como a torre branca onde o atalaia canta

o pregão lamentoso que acorda as cidades no oriente.

Os teus cabelos são labaredas fugidias que se levantam

na rubra sanha de um sonho interrompido, mas recorrente.


Haverão poetas traficando a tua sombra nos parques

e nos becos da imaginação dos meninos a tua silhueta

será pedra de toque, templo desfigurado por fiéis e ímpios

que te recebem como nova Babel, Constantinopla, Sodoma,

quem sabe uma Atlântida, talvez um novo Olimpo.


Mas tu, cidade partida, pouco sabes

dos cataclismas inspirados pela tua lenda.

A Via Láctea é o teu umbigo, e as constelações

mero adorno, contas miúdas que perolam teu colo

de assassina que tem a culpa, mas não o dolo.]


Distante do alcance da voz dos poetas

moram as palavras mais nobres, mais belas.

Nessas terras os menestréis são pássaros de rapina

à procura da mínima brisa que lhes dê sentido à rima.


Cidadela minha, onde habito sem morar,

peço-te apenas que me deixe pisar teu chão.

Há escombros por toda parte, mas a sorte deu-me um lar

onde a pedra que trago no peito queima voraz noite adentro

recusando ser diamante, preferindo ser carvão.]



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