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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

DOMINGO


Dor de cabeça.
As unhas cravadas nas palmas.
O peito arfante, os braços pandos.
As asas atrofiadas.

O sol e o mar inúteis.
Os coqueiros dançando pra ninguém.
O vento assobiando inoportunas alegrias.
O tempo escorrendo pelos cantos do dia.

Dedilhei o piano sem convicção.
Dedilhei meu corpo sem paixão.
Dedilhei teclas vazias, frias.
O poema não veio.

Os sais de banho.
O prosecco fora de hora.
O pássaro bonito cantando lá fora.
Mimos de um tempo irresoluto.

No escritório, tubos de tinta.
A caneta de pena de condor.
O tinteiro francês, o cinzel, a cera.
O almofariz, as telas, os pincéis.

Janelas, janelas. E mais janelas.
Nenhuma cortina vence o sorriso do mundo lá fora.
De repente o cristal despedaça meus olhos de vidro.
Taça quebrada, vinho e sangue, pintura completa.

Silêncios perdem-se na cantoria dos sabiás.
Bem-te-vis cumprimentam-se escondidos nas amoreiras.
Uma família de micos-leão faz festa. Há fogo na mata.
Tanta beleza, assim sem esperança, não fará mal?
Será domingo, carnaval?

Pra quê tanto azul, tanto verde?
Pra onde vão essas garças e albatrozes?
Os barcos passam coloridos na lagoa dourada.
Velas se acendem no oco dos troncos retorcidos.
Onde descansar meus olhos cansados de tanta luz?

Nada descreve esses tempos.
Tudo sobra e é escasso: contrários se locupletam.
Há dias em que simplesmente existir
Resume-se a um laborioso, minucioso
Desperdiçar de milagres.

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