Visitou-me noutra noite o meu herói.
Meu avô-menino com suas barbas de algodão.
Purpurina nas bochechas, sua capa de cetim, a espada de jornal.
Uma tampa de panela, amassada e amarela, era o escudo em sua mão.
Cavei uma resposta em suas órbitas vazadas.
Procurei algum sentido em tuas mãos de pardal.
Nas bochechas purpurina, nas mãos a tampa amarelada.
E no gesto inesperado a agudeza inocente de uma espada de jornal.
Não ditou secretos mantras, não revelou segredos, não veio rasgar véus.
Não falou qualquer poema, mas trovejava com calma o seu olhar.
Senhor dos mil espelhos, vilão e redentor, velho inimigo meu.
Palhaço do circo místico chamando todos para brincar.
Nove círculos perfeitos desenhados na nuca.
Sete luas de prata suja, sete ventos poeirentos.
E as borboletas em chamas azuis tão lindas.
Quem é este que se desprende de minha sombra?
Quem alumbra meu lado escuro quando estou só?
Quem percebe o ponto negro na superfície do sol?
Velho inimigo dos meus dias, espelho de todas as noites.
Cava em mim o sentido alado e fugidio, triste ave de rapina.
Arranca de minhas órbitas esses olhos arregalados de arlequim.
Sete voltas de espinhos cravados em tua nuca.
Nove vidas empoleiradas numa gaiola de cristal.
E as chamas azuis faiscando nos teus olhos de pardal.
Quem é esse desdentado que tanto ri para o espelho?
Que sol de chumbo derretido joga sombras nos meus dias?
Quem perceberá a pele do outro sob as unhas da poesia?
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