O dedo indicador
toca levemente aquela porção
entre a orelha e o cabelo
na cartilagem ondulada, tenra,
por onde escorre o som
do ouvido ao cerebelo.
Deve-se fazer pressão,
mas sem força, e sobretudo
sem pressa.
É preciso ser
sorrateiro como a raposa
e carinhoso como a serpente.
Tua mão esquerda desliza silente
e respeitosa, toca a cintura, e procura
a protuberância do osso na lateral da bacia.
Há muita técnica, muita ciência,
no que deve parecer poesia.
O tremor das mãos
sobre as ancas aflitas
como o rolar de placas tectônicas
nas profundezas da terra:
o amante perfeito
mostra que faz mira
mas de propósito
erra.
Passa-se alguns séculos
dentro desses poucos segundos.
Não tenha pressa.
Pousa o polegar ali,
mas por pouco tempo.
Depois, acolha a nuca, firme
porém sem jamais parecer
que seguras como quem agarra.
Existem outros tipos de nós
e seguramente outras amarras.
Não, não agarre.
Mas teus olhos devem prender,
perceba o fio de ouro que se estende
entre as pupilas dos amantes que se vêem
tão de perto que se perdem um dentro do outro.
Tocar é pouco,
muito pouco!
De repente,
displicentemente a mão direita
desce pela face, ladeando o rosto
e pinga o dedo anelar como uma gota de magma,
o tato líquido caindo sobre o colo, escorrendo pelas costelas
e parando ali, sobre a flutuante, não mais baixo nem mais alto.
no que deve parecer poesia.
Olha o lábio inferior.
Mira. Espia. Deixa que ela saiba
o quanto o teu olho já beijou-lhe a boca
nesta premonição do encontro inevitável
dos vossos lábios.
O beijo
já vem acontecendo,
antes mesmo que os lábios
se encontrem.
Passa-se alguns séculos
dentro desses poucos segundos.
Não tenha pressa.
Beija de leve.
Não peça. Faça,
mas como quem não tem certeza.
Escape,
mas com toda leveza.
És uma sépia,
o camaleão dos mares.
Olha-a nos olhos.
Segura-lhe a mão,
quase deixando escapar.
- impossível,
pois o laço tênue dos teus dedos
não pode ser quebrado jamais -
E volta,
és um polvo!
Tens mãos suficientes,
mas não demais.
Quantos carinhos cabem
num gesto que ainda nem foi feito?
no que deve parecer poesia.
Sê cuidadoso
para que ela não desfaleça agora.
Respira com ela.
Por ela.
Olha, mira, espia,
escuta, ausculta.
Tens dois olhos e duzentos olhares,
e são todos dela, mas alguns
escapam pelas frestas
e ela os persegue:
- Pra onde vão esses olhos
que já eram tão meus?
Passa-se alguns séculos
dentro desses poucos segundos.
Não tenha pressa.
Assente este rosto em tuas mãos:
o queixo levemente inclinado
recebe um beijo levíssimo,
silencioso, meio de lado,
insinuado.
O dedo anelar penteia a sobrancelha,
outro beijo, agora no olho, depois
naquela fenda entre o nariz e o lábio,
descendo para a mordida voraz
mas jamais com força, antes
com uma delicadeza furiosa
no lábio superior.
Prossiga sempre
como quem vai parando.
Há tanta vontade
e verdade no tato:
o contrato das vozes num semitom,
o som dos corpos se procurando,
as línguas indomadas se encontrando,
as coxas que colidem gentilmente
e de vez em quando um certo encaixe
uma fruição, a divina fricção
que causa incêndios
em tuas florestas...
Tudo isso caberá num aceno,
num átimo em que se diz bom dia,
ou numa palavra apenas,
enviada como um abracadabra
dentro de um poema.
Aceite a fúria tranquila desta hora
e lembre-se de queimar todos os manuais
do amor (incluindo estas breves notas)
antes de amar de fato.
O amante perfeito
sabe tocar a pele
antes do corpo.
Sua mão firme e gentil chega
antes do pensamento,
num tempo que não passa,
não pára, não se move
e também não cessa.
Passa-se alguns séculos
dentro desses poucos segundos:
não tenha pressa.
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