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domingo, 6 de julho de 2014

CORPO



[uma breve aventura pós-orgânica]


O corpo, esse tótem, tesouro e lixo.

Bicho alado, ao solo atado sem força.


Prezado, pesado, utensílio banal e maravilhoso.

Carrego-o no bolso, num fosso, num silêncio prolixo

em que o gozo é o martírio, e a dissonância dá sentido

a todo som.


Pra quê mostrar o homem pelado

se é na alma que ele está mais bem armado?


Por quê mostrar da mulher o peito, nádega e vulva

se é sua alma que nos afronta e nos cabe como luva?


Tenha calma, 

muita calma nesta hora.


As palmas se acabam,

O espanto logo vai-se embora.


Sobram células-espelho

mirando o infinito de joelhos.


E o resto

presta-se aos trâmites, à praxe,

ao àxis involuntário da tua psiquê.


A aventura transhumana

da máquina que sonhou ser gente

e acordou poeta, não finda, não cessa:

substituímos em pressa a letra orgânica

por sintaxes de plástico, vidro, nióbio, cobre,

desenrola os cabos de fibra óptica pelas entranhas,

chamando a carne, outrora divina, agora apenas um sonho,

descartado pelo caminho da irreversível singularidade.


Em algum lugar de um futuro nem tão distante

uma nova Eva entregará aos desavisados filhos de Adão

aquela bendita fruta, rubra como um útero entumescido,

suculenta e perfumada, a linda maçã de metal.


O corpo é banal.

É comezinho, pobrezinho.

Dono do mundo, nosso primo pobre,

nosso nobre salvador, redentor moribundo.


Meu corpo é meu mundo.

Mas todo mundo ainda que vasto mundo

cabe num grão de areia, barquinho de aventureiro

navegando no turbilhão de nossas veias.


Todo santo dia o corpo

se transmuta da água para o vinho.


Todo corpo é porto de partida

e fim de caminho.


Tanto zelo

com o que dorme entre os pêlos.


Tanto pudor

com o que só traz a dor.


Mas, pra quê, Senhor?


Há artistas pelados na praça

como quem traz tomates para vender.

A pele rubra e brilhante atrai que por ali passa

mas, aos poucos, seu viço sucumbe, murcha,

o corpo exposto já não é arte, não é novidade,

os dias de feira-livre já se foram longe.


No mercado negro

está ficando difícil encontrar cicatrizes.

Uma pinta, uma marca de nescença, então...

Ser humano, só humano, está pela hora da morte.


Ou nem tanto,

pois de outra sorte não nos deixaríamos partir

sem antes pagar o equipamento: o corpo mais deles que nosso,

os rolos de ligamentos, os cabos e tubos, o coração sobressalente,

as peças de reposição, os upgrades no sistema, o titânio dos ossos.


Não há saída.


Mas se um santo 

desabilitasse o firewall do Éden

poderiamos invadir para sempre 

esses latifúndios divinos.


As palmas se acabam,

O espanto logo vai-se embora.


Sobram células-espelho

mirando o infinito de joelhos.


O avesso do avesso

é o lado certo, ou

a sua negação.


Pedra é pão.

Só que não.


Em algum lugar 

de um futuro nem tão distante

uma nova Eva entregará aos desavisados filhos de Adão

aquela bendita fruta, rubra como um útero entumescido,

suculenta e perfumada, a linda maçã de metal.




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