A correnteza fere
o leito pardacento da lagoa.
O silêncio corre entre pedregulhos,
arrastando os trilhos da vontade,
trazendo no arrasto da manhã
cristais de conformação.
A lama pegajosa,
o arame, os cacos de vidro,
os casacos de lã, os anéis de vime,
as alianças de ouro (de tolo), os rolos
de fita crepe, as capas de cetim, o lume
dos meus olhos, as adagas e punhais
perdidos, tudo é depositado
na escuridão do espelho
d'água.
As nódoas coloridas
refletem sentenças luminosas
no fluido fosco da líquida mortalha:
dias idos e tempos vindouros parecem
pedrinhas roladas, bonitas e sujas
como caramujinhos guardados
no fundo falso da minha
calma.
Conto moedas,
escrevo poemas, coço a cabeça,
peço perdão, desejo bom dia, licença
senhor, licença senhora, reforço a moldura
dos bons hábitos, e dos maus também.
A lua enorme, o sol brincante,
o pássaro que voou, tudo
é motivo de alegria
e desespero.
Uma palmeira
balança os cabelos verdes
provando o gosto do vento que a machuca.
Os ipês amarelos definharam, desapareceram.
É primavera na prisão. Deixo que espalhem
flores de sal sobre minhas feridas.
A vida é boa,
afinal.
No meio de tanta beleza,
não me encontro, mas sei que estou lá.
Meus espelhos se partiram antes, além-mar.
As naus, nuas, dançam. São baleias brancas, enormes,
que ameaçam com carinho, e ensinam que cantar
não é preciso, mas é precioso
o nosso cantar.
Repito,
é bom e útil repetir
porque assim me ensinou o mar.
As ondas repetem, repetem, refletem.
Que o poema, no escuro repita,
reflita. Cantar não é preciso,
mas é precioso, é precioso
o nosso cantar.
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