Não sou eu,
isto que temos o costume
de chamar de meu, meu, meu,
ainda que sob um estranho véu
de carne e sonho, de sombra
e som, e sol, e só.
Senão, só
estes olhos, dispersos,
ventanelas semicerradas
segurando a hora última, íntima,
como um facho vertiginoso
a queimar o tempo
antes do sono.
Durmo?
É preciso morrer
aos poucos, sorrir aos poucos,
e ver, observar, deslumbrando-se
devagar com tudo o que se perde
diante do primeiro olhar.
É uma pena
a gente se gastar tanto
gostando tão pouco
uns dos outros.
Durmo.
Uma torre de marfim
que arde esplendidamente
no horizonte crepuscular
me acena, e eu
não vejo.
Vivo.
Os ratos cantam,
contam segredos,
fazem dos gatos seus
brinquedos, tocam jazz,
declamam poemas, oram,
pedem a Deus que salve
suas almas pequenas,
e riem do próprio
destino.
Vejo.
Até mesmo os ratos
tem seus propósitos,
seus ritos.
Viver requer
uma coragem matreira
e uma alegria cega como faca
de açougueiro.
Estou feliz
e finito.
Cada minuto
de calma, na fotografia,
parece uma festa de cegos
lambendo celulóides
de cromo.
Tomo um gole
da água ardente deste oceano
e o ouro de tuas lágrimas decora,
emoldura essa hora, ou ao menos
este minuto.
Estou feliz
pois sou forte
e finito.
Sonho.
Não desperdiço bemóis
em meu canto, nem meu latim
poderia transbordar em poemas
sem uso, coisa pré-fabricada,
como casa de marimbondo.
Todo animal de asas
conhece, antes do voo,
o tombo.
Há de se ter esperança
e desesperar sem pressa
quando preciso for
seja em guerra,
em paz, ou
pior - no
amor.
Espero.
Vigio.
Tudo no mundo
só é bom sem querer.
Não sou eu
quem diz, quem usa
o verso, quem escolhe
(acolhe) isto que chamamos
meu, meu, meu... mas o breu
desta íris é um aconchego,
facho de vida
que passa devagar
como o próton fugidio,
fruto maduro que sobra
da fissão d'um átomo
de carbono:
meus olhos
pesados, abertos como
ventanelas semicerradas,
nesta hora última, íntima,
ínfima, que me embala
antes do sono.
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