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segunda-feira, 22 de abril de 2013

A CRÔNICA DE TODO DIA COMUM








Dia engraçado. Acordei cedo, sem dor de cabeça. Assisti o noticiário da manhã, nada novo, os homens sempre com suas mesmas manias. E eu aqui sobrevivendo, observando como criança que tenta entender o que acontece.

Corri na praia, tomei banho no mar geladíssimo da Barra. Plantei flores novas no meu jardim. Escrevi muito. Li bastante. Revirei a biblioteca só pelo prazer de folhear as páginas dos livros grandes e pesados, sentir-lhes o perfume do papel bordado pelas traças, as encadernações costuradas com linha forte e capa de couro, que delícia!

Fiz compras, vinhos e peixes na maioria. Achei nozes e sorri feito menino. Há tempos estava com desejos. Farei algo interessante com elas no domingo, pensei em voz alta no meio do supermercado.

Caminhei demais, e nem sempre foi por prazer, mas por ter o que fazer mesmo. Não tenho carro. Abdiquei dessa vida faz tempo. Adoro a carona dos amigos, mas pagar gasolina, impostos, perder a paciência no trânsito... Isso não é vida pra mim. Não ostentaria uma Ferrari nem se me dessem. Trocaria por uma casa com jardins, bibliotecas amplas, uma adega, uma figueira com um balanço gostoso para as tardinhas de outono... Ah, isso sim eu queria! E se tenho um desejo de ostentação, ei-lo, meu pecado declarado.

Por isso ando. Às vezes depressa, desviando das pessoas como um velocista de maratona. Mas no geral ando. Aprendi a andar de chapéu panamá e chinelos de couro, como Jobim e Vinícius. E acho que logo vou usar bengala, uma daquelas bonitas de mogno com um brasão. Acho charmoso o homem de bengala, principalmente quando não precisa dela! Ela é como um símbolo fálico ali, à mostra, que o sujeito empunha como se fosse gozar a qualquer momento, um gozo violento e ao mesmo tempo gentil, tenro mas varonil, de quem viveu muito e sabe das coisas, principalmente essas, ditas ocultas, ou as de alcova.

Andar na rua é um hábito de poetas, de sábios e bons canalhas. Os bons malandros. E olhar as meninas passando, as saias esvoaçantes, a curva bonita dos seios que brotam, a nuca... Ah, a nuca com aqueles pelinhos finos. E andar pela beira da lagoa com a namorada, segurando sua mão como se ela pudesse voar dali a qualquer momento, e puxá-la num repente pra beijar-lhe a boca, rápido, pra deixar o bom gosto do querer mais.

Quem anda de carro não vê essas coisas. Deve viver triste, pensando em contas, respirando fumaça.

Gosto de ver o burburinho da vida no metrô, no ônibus, e quando é preciso ser veloz ou não amassar a roupa, pego um taxi. E todo taxista tem sempre uma ótima conversa. São cronistas da vida urbana e enxergam tudo, sabem da vida de todos, e contam com gosto, com um deleite contagiante.

No fim do dia vi o por do sol na nossa ilha, com o barquinho deslizando sem pressa rumo ao cais. Então montei o aquário novamente, e vim passear nessas planícies virtuais, ver o que o povo anda falando e fazendo, na maioria fingindo que diz e faz enquanto a gente finge que acredita e diz amém...

Enfim, lá se foi mais um dia comum, que de corriqueiro não teve nada, porque cada pequeníssima tarefa desse dia foi um milagre, e a noite é ainda uma criança divertida, insone, hiperativa!

Minha mulher chegará do aeroporto com novidades, coisas pra contar, malas pra desfazer, beijos e carinhos de menina boba, e esses são os melhores. Já separei os vinhos da noite, e daqui há pouco vou temperar os camarões para o risoto, pois estaremos famintos, principalmente um do outro.

Enfim, lá vai o dia com suas matizes de negro e azul, e púrpura, cinza, magenta, fucsia e até estrelas de neon. A noite está bonita, meio fria para uma noite carioca. É o mar soprando aquele ventinho gostoso que faz os casais se abraçarem. O mar é sábio sempre. Guarde isso contigo, fale baixinho pra você entender melhor: o mar é sábio sempre, e viver é um oceano. Viver é um oceano.

Vou chegando ao fim da crônica sem saber como foi o dia, posto que não acabou ainda. Há milagres escondidos sob cada pedra do nosso caminho. E no meio do caminho, meu amigo, tem sempre uma pedra!

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