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terça-feira, 30 de abril de 2013

HANAMI





Mestre Liu nasceu na Província de Guangdong. Ele viveu 189 anos. Quando jovem, trabalhou na Ópera Chinesa, mas não como ator. Seu trabalho era servir o chá. Mais tarde, já adulto, foi trabalhar nas lavouras de Sichuan, casou-se, teve filhos, mas perdeu toda família em sucessivas guerras. 

Foi pescador, pintor de paredes e guarda-costas em Hong Kong. Então virou monge, por volta dos 75 anos de idade. Seus discípulos contam que Mestre Liu era um grande caligrafista, tendo copiado centenas de livros ao longo de sua vida. Na China, os livros eram escritos à mão em rolos de papel e bambu. A Caligrafia era considerada uma nobre arte, ao lado do Teatro, Música, Pintura e Artes Marciais.

Seus discípulos contam que aos oitenta anos, Liu plantou um bonsai de cerejeira. A pequena árvore era cuidada com minúcia, mas Mestre Liu nunca a viu florescer.

Ele dedicou os últimos 100 anos da sua vida a cuidar do seu bonsai, que nunca lhe deu flores.

Mestre Liu, que foi missionário budista, perseguido pelo regime comunista de Mao Tsetung, havia partido para o Camboja, depois para Okinawa, no Japão, e mais tarde para São Paulo, Brasil.

Ele morreu num sobrado, sentado numa cama de varas, com sua cerejeira centenária ao lado. Suas mãos aninhavam a planta como um bebê, e seus olhos semicerrados, já sem brilho, miravam um horizonte pertencente apenas aos que cruzaram aquela ponte imaginária, etérea, divina.

Diz a lenda que o corpo do mestre fora encontrado cerca de um mês depois da sua morte. Foram dois imigrantes chineses, missionários católicos que levavam legumes e liam a bíblia para o velho mestre, que o encontraram, como uma estátua sentada em posição de lótus. Não exalava o odor da morte, estava sereno e frio, e seu corpo teve que ser enterrado numa caixa que mais parecia um cubo, uma embalagem de presentes, por que o 'rigor mortis' não o deixava deitar, e as pessoas que prepararam o corpo tiveram pena - ou teria sido por superstição - de quebrar seus ossos e sua disposição funérea de esperar pela florada do seu bonsai.

Durante o enterro, antes de fechar o caixote, uma mulher tomou das mãos do monge a planta, que soltou-se mais facilmente que o esperado.

Mariana Oliveira levou a planta para casa, colocando-a no banco do carona do seu carro.

Acontece que, num farol, Mariana foi vítima de um assalto, e acabou levando um tiro no pescoço, e morreu aguardando socorro no bairro Paraíso, na capital paulistana.

O bonsai, jogado de um lado para o outro, passou por várias mãos, mas foi parar num depósito de lixo, num subúrbio distante. E foi naquela manhã de julho, entre o chorume e os urubus, que a cerejeira do Mestre Liu floresceu.

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