Se pudesse escapar daqui,
levaria comigo apenas meus olhos.
Deixaria o corpo, as juntas que rangem,
o sangue, a linfa, os intestinos,
a pele, a língua, as mãos,
tudo isso ficaria para trás.
Comigo, somente os olhos,
essas duas bolinhas de âmbar,
que petrificaram o açúcar dos meus melhores dias,
transformando em diamente negro as longas tempestades,
as arredias noites em claro, as figuras de sal da juventude,
o rosto das mulheres que amei e principalmente destas
que em vigílias absurdas desejei
com fé e força.
Comigo apenas,
no relicário dos olhos
essas miragens infalíveis, de seios rijos,
de coxas magníficas, a boca semi-aberta,
o arpejo incontido na densa penumbra,
os suores da nuca, todas essas visões
de um doce apocalipse particular.
Sim, os olhos eu levaria comigo,
guardados numa caixinha de papelão,
emparedados com pasta de betume.
Estarão ali, sempre meus, os ambarinos ladrões,
estes assassinos gentis que, se eu deixasse,
levariam eles da terra todo o lume.
Os meus olhos seriam então
como submarinos mergulhados nesta existência
feita de bruta fantasia, ao cabo da qual, cheios,
partiriam, e emergiriam para o mundo da verdade,
despejando por suas pupilas não o petróleo,
mas algo mais valioso, o pegajoso caldo arco-íris
que lá se vende a peso de ouro, e que por aquelas bandas
se chama de poesia.
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