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domingo, 12 de outubro de 2014

O EMPAREDADO



Desenho no ar uma parede.

Depois, um martelo. Talvez uma picareta.

Ataco minha parede imaginária com as precárias ferramentas.

Surge um buraco, que trato de chamar de janela.

Linda a janela, de frente para o mundo, veja só.

Do outro lado dela existe o mundo, o real.

Moças, montanhas, o mar... Ah, o mar!

E o tempo, que passa sem ameaçar.

O mundo todo ali, veja só!


Mas não o alcanço, o mundo. 

Ele é real, e minha parede, de mentirinha.

Fico triste, num impasse. O real me assalta.

Está ali, mas não posso tocá-lo.

Criei uma parede, maldita.

Em minha sanha de criador, fiz também uma picareta.

Mas já não sei como usá-la. Tinha feito um buraco pequeno.

Apenas o suficiente para colar o rosto e ver a realidade.


O olho esquerdo sentindo a brisa do real, a cor do real.

Os peitinhos muito verdadeiros das debutantes que vão à praia.

Os passarinhos que piam cantos melhores que meus versos.

O universo dos trombadinhas e das celebridades.

As cidades pulsando, os carros passando.


Aquele olho colado na parede imaginária vendo tudo.

No ar, minha parede é firme, imensa, concreta.

Já não posso derrubá-la. A parede é insofismável.

Estou preso, encarcerado. Estou emparedado.

Já não me serve esta vontade transfigurada numa picareta.

Sou escritor. Tenho a poesia e o sentimento do mundo.

E na mão, apenas uma caneta.

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